sexta-feira, 23 de agosto de 2013

      
puxa vida, 
minha filhota nasceu!!


mi paraguayta: 2 meses de existenciazinha
                                        

terça-feira, 20 de agosto de 2013

as musas (poema encontrado no cesto de lixo)

                                                                  
     
                                                                  
conheço a vida
como a palma da minha morte, dirá
o poeta, hamlet de escrivaninha
segurando o peso de seu próprio crânio
com o punho erguido.

está aberta a temporada de caça
aos anjos, pensará.

mas o poema, no último estágio
de algum estranho alzheimer
lírico, como uma folha amassada
encarquilhado, esquecerá uma a uma
todas as palavras, os ritmos,
todos os hemistíquios e as rimas raras,
esquecerá os jogos e torneios e tiradas,
imagens avulsas girando
parafusos no nada,
melancolias e epifanias, solipsismos
e saudades.

mas esquecerá tudo mesmo?,
se pergunta, ator-
doado.

sim, tudo,
mesmo as chaves-de-ouro perdidas nas palhas douradas
da velha tarde futura
e imemoriável.

só então o poeta, enervando-se,
coçando a bunda ou
a calva, cansado
de ao menos 30 séculos
e um dia,
só então o poeta,
fechando as cortinas,
ligará a tevê ou o gás (que importa, nesta
altura do madrugada?)
e dormirá.

enquanto isso, noutro canto da cidade,
as musas

trânsfugas, confusas,
mas libertas
dos escaninhos de marfim, das gaiolas
de saliva e vaidade,
calarão 
 elas sempre calam... 

nos fugazes fins de tarde 
da eternidade, já fartas 
das quireras e quimeras das palavras, 
as musas empoleiradas 
em fios elétricos e invisíveis, ou  
suspensas nos raios de um sol elíptico, 
vão olhar e gargalhar, olhar 
e bocejar, empoleiradas.

com alguma sorte, meu 
irmão de tinta, acertarão em cheio 
a cabeça imensa do poeta 
que passa.
                                                                                 

domingo, 18 de agosto de 2013

wisława szymborska/ trad. regina przybycien

                                             
         

         
ALGUNS GOSTAM DE POESIA

 
Alguns –
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade,
gosta-se de afagar um cão.

De poesia –
mas o que é isto, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.

                     
 [Szymborska, Wisława. Poemas; seleção e tradução de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.] 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

margaret atwood/ trad. adriana lisboa II

             
O CANTOR DAS CORUJAS
 

O cantor das corujas seguiu errante para a escuridão.
Mais uma vez não ganhara um prêmio.
Era desse jeito, na escola.
Ele preferia os cantos escuros, camuflava-se
com os cabelos e orelhas dos outros,
e pensava em vogais longas, e fome,
e a amargura da neve funda.
Tais estados de ânimo não atraem resplendor.

O que há comigo? ele pergunta às sombras.
A essa altura eram sombras de árvores.
Por que desperdicei minha corda salva-vidas?
Abri-me aos seus silêncios.
Permiti que crueldade
e penas me possuíssem.
Engoli ratos.
Agora, quando estou no fim, e vazio
de palavras, e sem fôlego,
você não me ajudou.

Bem, disse a coruja, sem fazer um ruído.
Entre nós não existem preços.
Você cantou por necessidade,
como eu canto. Cantou para mim
e minha mata, minha lua, meu lago.
Nossa canção é noturna.
Poucos estão acordados.

       
[Atwood, Margaret. A porta - trad. Adriana Lisboa. Rio de janeiro: Rocco, 2013]

terça-feira, 13 de agosto de 2013

margaret atwood/ trad. adriana lisboa

       


               
OS POETAS AGUENTAM FIRME
                             

Os poetas aguentam firme.
É difícil livrar-se deles,
embora deus saiba que já se tentou.
Passamos por eles na estrada
de pé com suas tigelas mendicantes,
um hábito antigo.
Nada dentro delas agora
além de moscas secas e moedas falsas.
Eles olham reto em frente.
Estão mortos ou o quê?
Têm, contudo, a expressão irritante
dos que sabem mais do nós.

Mais do quê?
O que é isso que alegam saber?
Desembuchem, falamos entre os dentes.
Digam de maneira direta!
Se você tenta obter uma resposta simples,
nesse momento eles se fingem de loucos,
ou então bêbados, ou então pobres.
Vestiram essas fantasias
faz algum tempo,
esses suéteres pretos, esses andrajos;
agora não conseguem mais tirar.
E estão tendo problemas com os dentes.
Esse é um de seus fardos.
Uma ida ao dentista não lhes faria mal.

Estão tendo problemas com as asas, também.
Não temos visto muita coisa de sua parte
no setor de voos, estes dias.
Não os vemos mais parando nos ares, radiantes,
acabaram-se as travessuras aéreas.
Por que diabos são pagos?
(Suponha que sejam pagos.)
Não conseguem sair do chão,
eles e suas penas enlameadas.
Se voam, é para baixo,
para dentro da terra úmida e cinzenta.

Vão embora, dizemos –
e levem sua aborrecida tristeza.
Não os queremos aqui.
Esqueceram-se de como nos dizer
que somos sublimes.
Que o amor é a resposta:
dessa nós sempre gostamos.
Esqueceram-se de como bajular.
Já não são sábios.
Perderam seu esplendor.

Mas os poetas aguentam firme.
São tenazes, acima de tudo.
Não sabem cantar, não sabem voar.
Só dão pulos e grasnidos
e se debatem contra o ar
como se enjaulados,
e contam ocasionais piadas cansadas.
Quando lhes fazem perguntas a respeito, dizem
que falam o que devem.
Cristo, como são pretensiosos.

Há algo que sabem, porém.
Há algo que sabem, sim.
Algo que estão sussurrando,
algo que não podemos ouvir muito bem.
É sobre sexo?
É sobre poeira?
É sobre o medo?

                                                                                                                          
[Atwood, Margaret. A porta - trad. Adriana Lisboa. Rio de janeiro: Rocco, 2013]

domingo, 11 de agosto de 2013

autoentrevista

                                                                                                                                          
- rodrigo madeira, o que é a poesia segundo o rodrigo madeira?
- uma segunda árvore respiratória. ahhhhhh...
mas esta, é claro, é uma resposta ajeitadinha, que talvez já não conte se repetirmos a pergunta... muitas vezes escrevo também, como dizia o lorca, "para que gostem de mim", só isso, ainda que eventualmente gostem apenas com despeito ou indiferença. a arte, sem alguém que dê ouvidos, é uma maneira de autismo. 

- rodrigo, você acredita na inspiração?
- claro. sem inspiração, eu sufocaria... mas nem penso nisso. pra todas as outras coisas da vida sou um pouco manco. sou gago, por exemplo. não um gago prosódico. sou um gago social. agora, quanto à inspiração, até que inspiro e expiro direitinho.

- e você já pensou em parar de escrever?
- não, nunca. já houve ocasiões em que ressenti escrever, ou então senti o desejo stalinista de obrigar as pessoas que admiro a gostarem das coisas que escrevo. mas parar de escrever, não, nunca.

- quem, na sua opinião, é o maior poeta de todos os tempos?
- o maiakóvski, com certeza. tinha quase dois metros e meio de altura. se tropeçasse, já cometia suicídio. maldade... mas ele foi o maior, com certeza. a verlaine, por outro lado, pertence o prêmio de mais careca; baudelaire ocupa um distante segundo lugar. na frança, é claro, porque no brasil o drummond é imbatível.   

- rodrigo, qual a sua maior qualidade?
- a poesia.

- e o seu maior defeito?
- a poesia

- deixe-me agora fazer uma pergunta mais esotérica (risinhos bestas), algo que pertence mais assim ao universo espiritualista...
- diga, santa!

- (risos) então... você acredita na vida além da morte? 
                                
                                                     [como dá pra notar, embora o entrevistado seja ridículo mas não de todo idiota, o entrevistador é um verdadeiro jumento batizado, mula de mãe e pai... faça a média!]
                                        
- quase isso, quase isso. acredito na morte além da vida.

- fiquei sabendo também que você escreve um blog, "o blog às moscas", é verdade? por que este nome? conte-nos um pouco a respeito.
- é verdade, é verdade. você está muito bem informado. o blog literário é uma espécie de "obra aberta", né?! sabe aquele termo universitário usado como se fosse o pó do pirlimpimpim, aquele eco do Eco? o nome “blog às moscas” foi uma ironia que virou profecia e se autocumpre. mas, de modo geral, a blogosfera até que é um espaço bem democrático: ela promove uma espécie de reforma agrária virtual, embora a relevância individual seja ainda ditada pelo livre mercado, pela lei fisiocrática da oferta e da demanda e pela lei aristocrática do nome e sobrenome - além dos amigos e conhecidos que possam "curtir" e "curtir" nossas coisas, ou dizer aquela palavra sensualíssima e indecente que nos faz revirar os olhinhos: "genial, genial!"... o blog é a verdadeira “obra aberta”, em todos os sentidos: aberta, como disse o millôr, a todas as cismas, disparates, máximas, raciocínios, plácitos, despropósitos, ditos, escólios, insultos, necedades, miopias, gnomas, hidrofobias, sofismas e dizidelas... se eu quiser, posso até postar um vídeo pornô no meu blog. posso, não posso? o blog é aberto, mesmo que ninguém ou quase ninguém - as moscas de padaria, como eu afetuosamente nos defino -, mesmo que quase ninguém entre: aberto a revisões e revisões e revisões obsessivas, ao work in progress, aberto às patéticas autoentrevistas, aberto a "le silence éternel de ces espaces infinis", a comentários, réplicas e necas de pitibiriba...    

- sim, sim, hehe, entendo. uma última perguntinha, rodrigo, só mais uma... você não é exatamente um iniciante, por assim dizer... então, pra terminarmos, você gostaria de dizer algo aos iniciantes?... aqueles que... 
- não iniciem! mas, se iniciarem, saibam que isso nunca vai ter fim. e que provavelmente faltarão meios...

- então não vale a pena?...
- mas não se trata de valer a pena, piá! nunca se tratou disso. é como eu te perguntar se a vida vale a pena. tem sentido perguntar isso, minha santa? a vida vale a pena?