terça-feira, 20 de agosto de 2013

as musas (poema encontrado no cesto de lixo)

                                                                  
     
                                                                  
conheço a vida
como a palma da minha morte, dirá
o poeta, hamlet de escrivaninha
segurando o peso de seu próprio crânio
com o punho erguido.

está aberta a temporada de caça
aos anjos, pensará.

mas o poema, no último estágio
de algum estranho alzheimer
lírico, como uma folha amassada
encarquilhado, esquecerá uma a uma
todas as palavras, os ritmos,
todos os hemistíquios e as rimas raras,
esquecerá os jogos e torneios e tiradas,
imagens avulsas girando
parafusos no nada,
melancolias e epifanias, solipsismos
e saudades.

mas esquecerá tudo mesmo?,
se pergunta, ator-
doado.

sim, tudo,
mesmo as chaves-de-ouro perdidas nas palhas douradas
da velha tarde futura
e imemoriável.

só então o poeta, enervando-se,
coçando a bunda ou
a calva, cansado
de ao menos 30 séculos
e um dia,
só então o poeta,
fechando as cortinas,
ligará a tevê ou o gás (que importa, nesta
altura do madrugada?)
e dormirá.

enquanto isso, noutro canto da cidade,
as musas

trânsfugas, confusas,
mas libertas
dos escaninhos de marfim, das gaiolas
de saliva e vaidade,
calarão 
 elas sempre calam... 

nos fugazes fins de tarde 
da eternidade, já fartas 
das quireras e quimeras das palavras, 
as musas empoleiradas 
em fios elétricos e invisíveis, ou  
suspensas nos raios de um sol elíptico, 
vão olhar e gargalhar, olhar 
e bocejar, empoleiradas.

com alguma sorte, meu 
irmão de tinta, acertarão em cheio 
a cabeça imensa do poeta 
que passa.
                                                                                 

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