quinta-feira, 28 de novembro de 2013

(shunga)

                
                                                                                      

        


                       










                                                           
alta primavera
cai uma flor amarela
de boca no arbusto





* descobri faz pouco, mais de um ano após ter escrito o haicai acima: "shunga", a arte pornográfica japonesa, quer dizer “imagem de primavera”, 春画. a primavera, mais até do que no ocidente poetas japoneses tendem a plasmar ou dissolver nas estações do ano suas almas e psiques (kigo) –, é uma metáfora para sexo e erotismo. que maravilha!
               

terça-feira, 26 de novembro de 2013

rapidinhas

              
(limeriques)

                 
Se cruza a avenida ao sinal
uma traseiro sensacional,
tudo no mundo estanca;
é só a bunda que avança;
e explode uma salva de paus.
     

*

             
Quase nunca dá seu anel
a patricinha do Batel.
Tesão é coisa cara!
Qual o status da vara?,
se indaga enxaguando em Chanel.

                   

(haicais de boca)


queria dizer
não com a língua de falar
(mas) a de lamber


*

feliz a menina
lambidelas no sorvete
que nunca termina

                             

(quadras idílicas)

       
Molhava-se a camponesa
num bucólico regato;
molhava-se com certeza:
na greta o falo era um fato.

  
     
Ama mesmo os passarinhos
a ecologista querida:
para aninhá-los – seu ninho,
para animá-los – comida.



(epigramas)


E mostra, tão vivida e ainda boa,
com quantos paus se faz uma coroa.


*

(sermão da cafetina)


Erguei, erguei vossos paus para os céus,
pois Deus abençoa a todos os créus.


          
* dois de quatro poemas de cada modalidade; da seção "peças de quatro" (xifópago & pistoleiras).                     

domingo, 24 de novembro de 2013

BR-277

                        
E como ela chupasse a minha pica
à beira da BR, em um banheiro
imundo, e a luz na espécie de igrejica

filtrada pelo vidro, o abacateiro
roçando os basculantes gentilmente
ao vento então às rédeas do janeiro,

e como ela chupasse sem os dentes
que nem uma banguela muito avinda,
enquanto uma das mãos, ah!, aliciente,

lustrava minhas bolas na berlinda,
a pícara cigana que previa
o que há de vir da bica, água bem-vinda,
                     
e ao fundo aves em bando, a algaravia
mesclando-se ao barulho da chupeta,
o som que faz o ralo de uma pia,

e a mão desocupada na buceta,
porque também ficava enlouquecida,
um pasmo inseto em face de violetas,
                                             
e como ela chupasse, bem bandida,
entrefalando coisas cabeludas,
puxei, gentil, cabelos como bridas,

meti garganta adentro na tesuda
e fui ao mais sonhado por escribas,
mas burro, enceguecido e sem bermuda:

nel mezzo del cammin Foz-Curitiba,
a máquina do mundo arreganhada
na perva que não ama e sim me liba,
        
a coisa toda oferta e revelada,
que não requer sentido a puta vida
se a boca espera aberta uma golada.
                                                            
           

arte de pablo picasso
          

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

                                                                                                                         

                   
(versinhos para flauta doce)
             
Tocava a flauta doce, e a flauta é muda,
e eu fui a melodia na hora exata,
à meia-morte, à vida então desnuda,
a melodia tosca de um primata.
    

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

aforismo

                                                                                  


Tocar bronha, a arte universal de solistas vis e previsíveis. Nos conservatórios, nas catedrais das toilettes, até Mozart era um músico medíocre.


sábado, 16 de novembro de 2013

giuseppe ungaretti

                                    
ATTRITO

Locvizza il 23 settembre 1916


Con la mia fame di lupo                                                                          *
ammaino
il mio corpo di pecorella

Sono come
la misera barca
e come l'oceano libidinoso

*


ATRITO

Locvizza, 23 de setembro de 1916


Com minha fome de lobo
amaino
meu corpo de ovelhinha

Sou como
a mísera barca
e como o oceano libidinoso

                    
*imagem encontrada na parede de uma igreja medieval na dinamarca.                                                

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

gregório de matos

                                                                       
abaixo,
algumas estrofes do romance "definição do amor". trata-se de um dos mais impressionantes poemas cometidos por nosso taTARAvô espiritual, o jesuíta e momo maior

 DR. GREGÓRIO.


*
        
(...)

Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:

Este, que o juízo tira,
este, que roubou a Helena,
este, que queimou a Troia,
e a Grã-Bretanha perdera:

Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento,
é assunto dos poetas:

Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o frade andar desterrado,
endoidece a triste freira.

Largar a almofada a moça,
ir mil vezes à janela,
abrir portas de cem chaves
e mais que gata janeira.

Subir muros e telhados,
trepar chaminés e gretas,
chorar lágrimas de punhos,
gastar em escritos resmas.

(...)

É glória, que martiriza,
uma pena, que receia,
é um fel com mil doçuras,
favo com mil asperezas.

Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição sem siso,
uma loucura discreta.

Uma prisão toda livre,
uma liberade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.

(...)

Enfim o Amor é um momo,
uma invenção, uma teima,
um melindre, uma carranca,
uma raiva, uma fineza.

Uma meiguice, um afago,
um arrufo, e uma guerra,
hoje volta, amanhã torna,
hoje solda, amanhã quebra.

Uma vara de esquivanças,
de ciúmes vara e meia,
um sim, que quer dizer não,
não, que por sim se interpreta.

(...)

O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas.
quem diz outra coisa, é besta.


                                        
[Matos, Gregório de. Poemas escolhidos; seleção e organização José Miguel Wisnik. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.]

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

mario benedetti

                         
UMA MULHER DESPIDA E NO ESCURO


Uma mulher despida e no escuro
tem uma claridade que ilumina
de modo que se há algum desconsolo
apagão, noite em que a lua não brilha
é de muito bom tom e de bom gosto
ter à mão uma mulher despida
 
Uma mulher despida e no escuro
gera um resplendor que dá confiança
no calendário então só há domingos
pelos cantos vibram fios de aranha
e os olhos felizes e felinos
olham e de olhar nunca se cansam.

Uma mulher despida e no escuro
para nossas mãos vocacionadas
para o coração é um desperdício
e é quase um destino para os lábios
uma mulher sem roupas é um enigma
e é sempre uma festa decifrá-lo.

Uma mulher despida e no escuro
gera uma luz própria e nos acende
o forro do teto em céu converte-se
e é uma glória não ser inocente
uma mulher querida ou vislumbrada
desbarata ao menos uma vez a morte.

                                  
                                     MARIO BENEDETTI

versão: r.m. 
 

"una mujer desnuda y en lo oscuro", recitado pelo próprio poeta:
http://youtu.be/rfgJE0TUmwY
                        

domingo, 10 de novembro de 2013

o verão

                               
a luz do sol e das luas de cloro varou a escuridão de nossas roupas. parece até um crime. talvez dissesse algum menino olhando pela fresta: um assassinato. e somos mais ou menos delicados. e estamos felizes.
tu começas pelos lábios, carne sobre carne (a lânguida liquenografia da língua). os lábios são o fruto que se colhe com os lábios.
árvore de ossos, vento. esta macieira é o único livro que li na vida.
sou um lenhador implausível, comovido, de mãos nuas. (ou és tu, com a serra elétrica de hálito & sussuros, com teu machado de maciezas & calores & perfumes, a lenhadora que me derruba?)
teu corpo jazz na relva. meu corpo jazz na relva.
e cavo um bunker no domingo de tua virilha. e deixo minhas mãos pastarem como bois famintos.
as coxas cheiram a terra molhada. no pescoço és uma égua, haste doente. teus mamilos são despenhadeiros.
folheio o corão de teus cabelos. estou vivo, como quem autentica a própria morte no cartório das veias.
a vida é enorme, minha amiga, a vida nos acontece à queima-roupa.
deus existe por alguns instantes? é a palavra de silêncio, o grafite de néctar no muro das costas? a cama é um bosque onde o perfume lança âncoras de hera.
separar as pernas, abrir a caixinha de música de tuas súplicas. ah, a boceta! uma fogeira no centro do corpo, do quarto, da galáxia, dos séculos.
eu sei, sou um cego, um analfabeto. nosso esqueleto é um relâmpago.
subirei todas as escadas de tua nudez? sonhar, floração de tesouras. os óculos no chão. meu coração é um cavalo escoiceando a caixa torácica. uma ave que bate contra o vidro.
de repente, nem isso. resfolegante, calmo, um pouco triste (temos a idade de um crepúsculo). o cavalo exausto sobre o campo, o cavalo exausto na colina. um pássaro que lateja  – & a morte tem quase o tamanho da vida  –  sobre a réstia de sol que atravessa a cama.
                                                    

(poema revisitado: pássaro ruim, 2009)