sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

vinicius de moraes (& baden powel)

                                                                                             
         
     


   

domingo, 25 de dezembro de 2011

passionata

                                       
o amor foi feito para
a imperfeição, para o silêncio
entojado de som e fúria
e gentilezas.
o amor foi feito para errar,
dar com os burros nágua,
perder a paz
e odiar de um ódio patético
e gago.

o amor é assim: uma bomba
de delicadeza e desejo
que arrebenta nossas manias,
nossas veias mais grossas,
nossos relógios e bibelôs,
nossas fotografias antigas,
estudos, trabalho, ócio,
o passatempo mesquinho,
a conversa fiada e o futebol.
(na hora do gol,
você pensa nela e olha além,
através do alambrado, buscando
a improbabilidade
do jasmim.)

as vacas, em sua mansuetude,
não amam.
mas os homens...
“um grave acontecimento
na vida de um sujeito ordinário
naquela tarde como qualquer outra.”

o amor nos emburrece,
nos embrutece (cavalos doentes,
anjos idiotas),
como se não tivéssemos nunca
amado
e desamado, amado
e desamado.

o amor remoça
e envelhece dramaticamente.
a mulher pode dormir virgem
e acordar na menopausa.
o homem pode acordar
analfabeto
e se deitar um poeta,
esbofeteado por asas.

no meio do sono,
equidistância perfeita
entre sonho e realidade,
o homem, a mulher
trazem abaixo
com uma serra de sândalo
as árvores genealógicas.

há quem defeque estrelas,
estupidificado de infinito.
há quem não consiga,
um trapezista interior, 
levantar o garfo até a boca
ou amarrar os cadarços.

quase tudo o que se viveu,
todas as lições e sobrevirtudes
esfarrapadas,
como se amadurecer
fosse a antevéspera do podre
e da semente.

o amor não se cura. fica incubado
esperando a primavera,
a próxima (sempre prima)
                                       MENTIRA!
ah como eu minto
pra você pra mim, meu amor...

o amor
o amor
a desaprendizagem

o amor
sem o qual a vida
seria uma verdade (como a morte).  


(pássaro ruim, 2009) 
    

sábado, 24 de dezembro de 2011

paulo henriques britto (II)

                       
marc chagall (1887-1985)


SONETO INGLÊS
   
A surpresa do amor – quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove –
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil – eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura –
definitiva, radical, imensa –
do que nem parecia mais doença.


                               P.H. BRITTO
                          

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

antonio cicero

                             
                 
CANÇÃO DO AMOR IMPOSSÍVEL


Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada a poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia?

                         ANTONIO CICERO


***

arrevesando essa beleza de poema, cheguei ao seguinte:


CANÇÃO DO AMOR POSSÍVEL


Como não te ganharia
se me ganhas mansamente
se em teu olhar que sorria
eu dentro de ti me via
se ao te fazeres presente
és sempre tu que me tens
e mesmo quando não vens
meu coração te pressente
se és esta minha alegria
e o meu sangrar que assobia
se te pões em meu nascente
como não te ganharia?

                                  r.m.
         

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

heptaphármakon

   
1. não se deve temer os deuses

2. não se deve temer a morte

3. o bem não é difícil de se alcançar

4. os males não são difíceis de suportar

5. a infelicidade faz parte da felicidade

6. só o humor liberta
      
7. haja sempre alguém que negaceie
com a flor incompreendida
                  

* segundo o discípulo diógenes de oenoanda, os quatro primeiros elementos sintetizam o receituário filosófico de epicuro.
       

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

                                                                                                     
                                                                               pássara

                                                                               quando a tônica migrar

                                                                               passará












migração

jacques prévert

                                                                 
lasar segall, menino com lagartixas (1924)



A Lagartixa                   


A lagartixa do amor
Fugiu mais uma vez
Deixando-me nos dedos
Sua cauda. Bem feito:
Eu queria prendê-la

(tradução: carlos drummond de andrade)


A lagartixa do amor
Fugiu mais uma vez
E me deixou o rabo entre os dedos
Bem feito
Eu quis guardá-la para mim

(tradução: antonio cicero)


Le Lézard

Le lézard de l'amour
S'est enfui encore une fois
Et m'a laissé sa queue entre les doigts
C'est bien fait
J'avais voulu le garder pour moi

             JACQUES PRÉVERT
                                                   

hanna schygulla (lili marlene/ r.w. fassbinder)

                    

        

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

três inscrições para uma noite

                    
1.

aramos nossos corpos
hasteamos a carne
naufragamos os ossos
afiamos a pele

jardinamos os pelos
vozeamos as unhas
rasuramos os lábios
semeamos os dentes

desfazemos em tempo
os nós de cada dedo
elastecemos os

tornozelos acróbatas
abrimos as gavetas
dos olhos e cabelos.


2.

quando eu a vejo
esparramada
na cama, rama
de musgo e líquen,

de perfil – por 
trás de seu ombro –,
também por dentro
de suas coxas,

desejo entrar
na eternidade,
mesmo sabendo

que a faz tão bela
exatamente
o fim das coisas.

  
3.

você paloma
se esbate cega
em minha pele,
luta e lençol.

lhe oferto um cravo
e nada mais.
nós morreremos?
meu endereço

é a minha carne.
mordemos drágeas
dos amanhãs

ou cianureto.
acordo, no(u)
mau hálito de amanhecer

(e foda-se o soneto), com
um soco de perfume.

       
(pássaro ruim, 2009)
         

sábado, 17 de dezembro de 2011

nu fechando a porta

               
teu corpo nu
sob a torneira
de tanto orvalho
teu corpo nu

é todo feito
de abertos lábios
navegações
em manhã clara

traduz o sol
para o alfabeto
das coisas líquidas

o mar vai sempre
arrebentar
em tuas costas

           
(sol sem pálpebras, 2007)
                

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

oleiro amoroso

                                              
de fazer-te estátua,
entre bruma e arpejos,
quebrei-te com gosto,
com presta destreza.
               
de atirar-te aos cacos
no charco, entre juras,
beijo de dois gumes,
sem dó atirei-me.
           
de colher os cacos
para rejuntá-los
com a lama mesma,
                
imunda, te amei,
com gosto e destreza,
sem dó, como nunca.

          
(sol sem pápebras, 2007) 
                                 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

não sei dançar #8

              
para ouvir, clique aqui: http://www.myspace.com/570488999


QUANDO APAGAR A LUZ
(rodrigo madeira)


Quando apagar a luz, meu bem
Acenda as lanternas de suas mãos
Quando abrir os olhos que não veem
Me ilumine a luz de um lampião

Me vele seu facho-rosto
E sue a cera de tanto ardor
Bem no centro de seu corpo
A fogueira queime este pecador

Quando nascer o sol, meu bem
Seja ainda noite de sono e breu
Quando acordarem os pássaros e o trem
Só olhe à frente o urgente orfeu

Escândalo em silêncio
O incenso indecente da flor
Que eu seja terra e talo
Onde floresça o seu amor
     

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

não sei dançar #7

                               
para ouvir, clique aqui: http://www.myspace.com/570488999
                                                         
                 
ACALANTO ÀS 2:00 DA TARDE
(rodrigo madeira)


Eu ligo o meu stereo
Me mudo pra cozinha
Será que eu compro um terno
Ou flerto com a vizinha?

Vou compra a prazo
Vou pedir as contas
Vou arrumar o quarto
Vou regar as minhas plantas

E tudo isso, este nada
E muito mais...

Esta conversa
Esta canção que eu canto
Este acalanto
Para boi dormir

Esta conversa
Este acalanto
Esta canção que eu canto
Para boi dormir

Eu saio do cinema
Meu tédio é um cão mofado
Mas nada tem problema
Eu fumo outro cigarro

Eu conto as formigas
Eu vendo um canivete
Eu mijo numa esquina
Eu masco outro chiclete

E tudo isso, este nada
E muito mais...

Esta conversa
Esta canção que eu canto
Este acalanto
Para boi dormir
                                       

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

não sei dançar #6

                                          
para ouvir, clique aqui ó: http://www.myspace.com/570488999

* participação de nice monteiro (além de sabiá, ela compõe que é uma beleza...)
valeu, nice!!


A GENTE NÃO PRESTA (rodrigo madeira)

                     
(MULHER)
Ele não vale nada
Mas no almoço gastamos seu vale
E não presta pra muito
Mas se peço me arruma emprestado

(HOMEM)
Ela vale bem pouco
Nos valemos de suas noitadas
E quem disse que presta?
Mas me empresta pro azar e o cigarro


(MULHER)
Eu não gosto dele
Ele não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz samba
Que fazer solidão é ruim
(HOMEM)
Eu não gosto dela
Ela não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz é samba
Que fazer solidão é ruim


(MULHER)
Ele não me completa
Mas completa o tanque do carro
Ele não me faz falta
Mas faz falta seu corpo enroscado

(HOMEM)
Ela não me faz falta
Mas faz falta seu corpo em meu corpo
Ela não me completa
Mas completa meu copo no Torto

REFRÃO
     

domingo, 4 de dezembro de 2011

dr. calcanha (in memoriam)

                 
                







           
talvez os pré-socráticos
já soubessem,
mas ninguém fez
tão pouco tão bem
quanto ele.

parecia tão simples.

nisto consistiu sua Poética:
transfigurar em arco e seta
o calcanhar-de-aquiles.
                   

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

não sei dançar #5

                   
para ouvir a canção, clique aqui:
http://www.myspace.com/570488999


                                   
VAI CHOVER SALIVA

                        (rodrigo madeira/ william carlos williams)


Venha me tocar em si
Menor
Venha me gastar, dália, doida, diva
Vamos penhorar este velho sol
Que hoje,  meu amor, vai chover
Saliva
Hoje, meu amor, vai chover saliva
Vai chover saliva

Como é da natureza das roseiras bravas
Rasgar a carne
Tenho avançado pelo meio delas
Fique longe das sarças, das garças, dos espinhos
Fique longe das sarças, dizem-nos (mas)
Não se pode viver e viver longe delas
Não se pode viver e viver longe delas*

Venha me tocar em si
Menor
Venha me gastar, dália, doida, diva
Vamos penhorar este velho sol
Que hoje, meu amor, vai chover
Saliva
Hoje, meu amor, vai chover saliva

Como é da natureza das roseiras bravas
Rasgar a carne
Tenho avançado pelo meio delas
Fique longe das sarças, das garças, dos espinhos
Fique longe das sarças, dizem-nos (mas)
Não se pode viver e viver longe delas
Não se pode viver e viver longe delas

Por isso eu canto, por isso eu calo
Por isso eu surjo, por isso eu parto
Por isso eu sangro, por isso eu saro
Por isso eu morro, por isso eu mato

E por isso a flor e por isso o cardo
E por isso o espinho e por isso o nardo
E por isso o blues e por isso o fado

Por isso eu canto, por isso eu calo
Etc
          

* Como é da natureza das roseiras bravas/ rasgar a carne,/ tenho avançado/ pelo meio delas./ Fique longe/ das sarças,/ dizem-nos./ Não se pode viver/ e ficar longe das sarças. (A COROA DE HERA, william carlos williams, trad. josé paulo paes.)