sexta-feira, 31 de maio de 2013

o inseto

                                         
                              PA-
                        LARVA
        
                           ferreira gullar


o soneto 
fechou-se à 
verborreia,
fez careta

ao discurso.
tem agora
o hemistíquio
dos insetos

dissecados.
e entreabriu-se
aos desvãos,

por mais mínimos,
como quem 
se abre ao mar.


2

o inseto de
palarva e tinta,
multiplicado
por suas asas,

despega da
margem esquerda.
magro e comprido,
no afã de ser

fero e revivo,
deixará a página
(conta se morre

pouco depois?)
pelas paredes
sem transcendência.


3

antes de pousar
de uma vez por todas
o sonetinseto
revela-se inteiro

à sanha suctória
nas dermes da vida:
imos, méis e conas.
morto, vai feder

quase impercebido:
mínimos abismos.
seu registro no 

papel será como
a abelha esmagada
correndo no vidro.


4

ou a fibrólise:
carne do susto,
e não do sono,
mil florações.

duma crisálida
renascerá:
sangue de tinta,
asas-sulfite,

a carnadura 
de gosma e de âmbar.
para queimar

no ar e nas veias,
como um veneno,
como o verão.

          
(pássaro ruim, 2009) 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

arakida moritaki (1472-1549)


                         
A flor caída retorna ao seu ramo:
uma borboleta

               
* traduzido do italiano (Il fiore caduto rivola a suo ramo:/una farfalla)

terça-feira, 28 de maio de 2013

murilo mendes

       
OSSOS DE BORBOLETA


São lindos os ossos de borboleta. Bem sei que só existem em sentido figurado; ninharias que lhes deram o nome; um ceitil, um sexto de real ou do irreal, um milésimo do zero. Mas acredito teimosamente na existência dos ossos de borboleta.

Bem sei que por exemplo os ossos de siba ou sépia são admiráveis; tanto assim que o poeta Montale batizou Ossi di seppia um dos seus melhores livros. Bem sei que o molusco de que é tipo a Sepia officinallis tornou-se precioso até na oficina do pintor.

Mas os ossos de borboleta! Que finura, que delicadeza! Voam.

                                                                            
                                                             MURILO MENDES (in: poliedro, 1965-66)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

affonso ávila

                                                                       
             arte de elisabete lucido


CRISÁLIDA


onde a vida viça
a um sol ou graça
e à luz se esgarça
forma ou flor
cambiante escante
fio de ar ou asa
pânica ou impávida
entanto ávida
de ritmo e instante
ao vir a ser de ser
aula de nascer
mínimo

   
[Pinto, Manuel da costa. Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006.]

domingo, 26 de maio de 2013

paulo neves

                                 
A BORBOLETA
     
                             
Ela passeia sozinha
sem rumo e sem rumor.
Aparece, embora ela seja
no incerto modo uma essência,
pois basta uma só borboleta
para que o ar se perfume
e a gente queira adejar
com ela nas adjacências.

                         
[Neves, Paulo. Viagem, espera: 40 poemas e outros escritos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.]

sexta-feira, 24 de maio de 2013

emily dickinson

     
XVIII
     
     
DUAS borboletas valsavam, meio-
dia, sobre um rio em bemol;
Correram depois firmamento afora,
Pousaram num raio de sol;

E então elas, juntas, seguiram viagem
Sobre um mar todo ensolarado, 
Embora não haja, em qualquer dos portos,
Relato de haverem chegado.

Se anunciadas pelo pássaro ao longe,
Se achadas em éter no mar,
Por uma fragata, algum mercador,
Notícia não veio me achar.

trad: r.m.


*

Part Two: Nature

XVIII


TWO butterflies went out at noon
And waltzed above a stream,
Then stepped straight through the firmament
And rested on a beam;
  
And then together bore away        
Upon a shining sea,—
Though never yet, in any port,
Their coming mentioned be.
  
If spoken by the distant bird,
If met in ether sea        
By frigate or by merchantman,
Report was not to me.
                                       

quarta-feira, 22 de maio de 2013

rodrigo garcia lopes


                  
BUTTERFLY
                              
            
betrayed by
a winter wind
the beautiful butterfly
slowly flo-
wing like a
flying flower

fallen over
a frozen
river

(bitter is
to fly
so far
to die:

better flying forever)


*


traída pelo
vento do inverno

a bela
borboleta

lenta- (asa
flor fluindo)
mente

caindo sobre
um rio
congelado

(amargo é
voar

tão longe
pra morrer:

melhor voar pra sempre)


          RODRIGO GARCIA LOPES
                                                           

* aquia bela canção de garcia lopes (parceria com neuza pinheiro), interpretada pelo próprio poeta.   

segunda-feira, 20 de maio de 2013

kobayashi issa

     
desenho e haiku (borboleta de jardim): kobayashi issa



   
borboleta de jardim -
o bebê engatinha, ela voa
engatinha atrás, ela voa


*

janela aberta -
a borboleta carrega meus olhos
através do campo


* a partir das traduções (japonês-inglês) de david g. lanoue.

sábado, 18 de maio de 2013

francis ponge/ trad. adalberto müller e carlos loria


                                                                                                                 
JOAN MIRÓ, a caça à borboleta (1975)


A BORBOLETA


     Quando o açúcar elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas - um grande esforço se produz no solo de onde, súbito, as borboletas alçam voo.
     Porém, como cada lagarta teve a cabeça ofuscada e enegrecida, e o torso adelgaçado pela verdadeira explosão de onde as asas simétricas flamejaram,
    Desde então, a borboleta errática só pousa ao acaso do percurso, ou quase isso.    
    Fósforo voejante, sua chama não é contagiosa. E, além do mais, ela chega muito tarde e pode apenas constatar as flores desabrochadas. Não importa: comportando-se como acendedora de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Pousa no cimo das flores o farrapo atrofiado que carrega, e vinga assim sua longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos caules.
    Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala superfetatória, vagabundeia pelo jardim.


 trad. adalberto müller e carlos loria


       
LE PAPILLON


        Lorsque le sucre élaboré dans les tiges surgit au fond des fleurs, comme des tasses mal lavées, - un grand effort se produit par terre tous les Papillons tout à coup prennent leur vol.
        Mais comme chaque chenille eut la tête aveuglée et laissée noire, et le torse amaigri par la véritable explosion d'où les ailes symétriques flambèrent,
        Dès lors le papillon erratique ne se pose plus qu'au hasard de sa course, ou tout comme.
       Allumette volante, sa flamme n'est pas contagieuse. Et d'ailleurs, il arrive trop tard et ne peut que constater les fleurs écloses. N'importe : se conduisant en lampiste, il vérifie la provision d'huile de chacune. Il pose au sommet des fleurs la guenille atrophiée qu'il emporte et venge ainsi sa longue humiliation amorphe de chenille au pied des tiges.
       Minuscule voilier des airs maltraité par le vent en pétale superfétatoire, il vagabonde au jardin.

                                                                                                   FRANCIS PONGE

quinta-feira, 16 de maio de 2013

maría elena walsh/ mercedes sosa

                      
     
    

(versãozinha super livre)


COMO UMA CIGARRA

Tantas vezes me mataram
Tantas vezes eu morri
E no entanto estou aqui
Ressuscitando
Eu dou graças à desgraça
E à mão com um punhal
Porque me matou tão mal
E segui cantando

Cantando ao sol como uma cigarra
Depois de um ano embaixo da terra
Igual ao sobrevivente
Que volta de uma guerra

Tantas vezes me apagaram
Tantas desapareci
A meu próprio enterro eu fui
Só e chorando
Fiz um longo e triste aceno
Mas depois eu me esqueci
De abandonar-me ali
E segui cantando

Cantando ao sol como uma cigarra
Depois de um ano embaixo da terra
Igual ao sobrevivente
Que volta de uma guerra

Tantas vezes te mataram
Tantas ressuscitarás
Quantas noites passarás
Desesperando
E na hora do naufrágio
Da total escuridão
Alguém te estenderá a mão 
E seguirás cantando

Cantando ao sol como uma cigarra
Depois de um ano embaixo da terra
Igual ao sobrevivente
Que volta de uma guerra

         
maría elena walsh (1930-2011)
                             

quarta-feira, 15 de maio de 2013

carlos drummond de andrade

                                           
ÁPORO

                   
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.


*

trechos da análise do poema "o áporo" por davi arrigucci júnior ("coração partido", cosac naify, 2002):

Incluído num longo livro, "A Rosa do Povo", livro longo e difícil, o breve poema pode ser destacado como um ponto alto, não só pela qualidade em si, mas pelo caráter exemplar com relação ao conjunto da obra. É que contém, em máxima condensação, características básicas da lírica reflexiva e problemas centrais que o poeta enfrenta e supera com seu trabalho. Nele se vê como Drummond faz da dificuldade arte.
[...]

Tempos atrás, Décio Pignatari se deteve a estudá-lo. Ao descrevê-lo formalmente, fez uma série de observações esclarecedoras sobre aspectos parciais, mas importantes da construção do texto, deixando claro o método "indicativo" que inventou para sua leitura.
Em primeiro lugar, registra, transcrevendo verbetes de vários dicionários, desdobramentos semânticos da palavra "áporo": um problema sem saída, com solução difícil ou impossível (sinônimo de aporia); um gênero de plantas da família das orquídeas; um inseto himenóptero, da família dos cavadores (...)
Descreve, em seguida, a metamorfose do inseto em flor-poema. O percurso sonoro-semântico desse termo e de sua ação (cavar) se imprimiria, isomorficamente, na tessitura física dos signos, ao formar-se a orquídea e o poema, através de uma cadeia de aliterações verticais, completando-se o processo com a sílaba central do "inseto semiótico" em posição de libertar-se ("forma-se").
Comenta também o tratamento parodístico de miniaturização do "inseto-soneto": decassílabos tradicionais rasgados pelo meio em pentassílabos; glosa crítica de expressões pseudo-castiças ("Eis que", "Oh razão"); enlace entre ritmo e significado, a ponto de insinuar de repente, em compasso de valsa romântica, uma inflexão irônica sobre a própria forma do soneto. Sugere ainda, sem crer que com ela se possa acrescentar algo de essencial, uma abertura à interpretação, entendendo por isso alusões referenciais a certos fatos histórico-políticos da década de 40 a que fragmentos do texto poderiam se prestar (como "país bloqueado" , relacionado com o Estado Novo, ou "presto se desata", com a libertação de Luís Carlos Prestes...).
[...]

O áporo enquanto inseto nada tem a ver, certamente, com a orquídea, mas ambos, inseto e orquídea, se referem ao mesmo significante na origem, fazendo parte de uma mesma história desenvolvida no texto. Ao conectá-los, a historieta envolve de fato uma extrema dificuldade, pois deve superar a contradição que opõe os seres nela enredados, uma vez que se trata de seres completamente distintos em sua identidade de animal e flor. No entanto, o primeiro se converte no segundo, integrando a contradição: só no mito, e na metáfora poética, que é um mito em pequeno, como afirmou Vico, se abre a possibilidade de deslizamento da identidade, à maneira de "isso é aquilo", para lembrar termos de Drummond.
[...]

O significante inicial pode ter surgido de um achado casual de leitura, mas o poema, significante final, estabelece relações necessárias entre os termos que desdobram as denotações da palavra-chave numa nova estrutura, que é a do mini-soneto, no qual esses materiais aproveitados ressurgem, também eles, completamente mudados. O que permite a metamorfose interna do inseto em flor não é, obviamente, um processo da natureza, embora se faça à sua semelhança; é resultado de um esforço humano de mudança: a do trabalho do poeta com as palavras talvez achadas no dicionário.
[...]

Essa transformação dos materiais, que dá lugar à metamorfose interna do inseto em orquídea (...) decorre em parte da mobilização dos elementos linguísticos encontrados talvez ao acaso, mas depende sobretudo do trabalho do poeta e de como funcionou sua imaginação despertada pelo achado. (...) Essa mudança realmente radical consiste na "articulação" , antes inexistente, entre termos absolutamente divergentes entre si quanto à expressão e ao significado. Eles nada parecem ter em comum, a não ser seu passado de dicionário ligado ao signo "áporo" e, no entanto, vão formar, em novo contexto, um todo completo, um enredo (também chamado "mythos", na acepção aristotélica da "Poética").
Isso quer dizer que os materiais foram trabalhados numa direção que lhes deu coerência pela forma de organização: a da narrativa, e passaram a constituir a historieta do inseto cavador que se metamorfoseia, após um caminho difícil, de súbito e contra toda lógica, numa orquídea.
         

sexta-feira, 10 de maio de 2013

vinicius de moraes

       
O MOSQUITO          

               
Parece mentira
De tão esquisito:
Mas sobre o papel
O feio mosquito
Fez sombra de lira!

              Montevidéu, 1959.
                                             

quinta-feira, 9 de maio de 2013

e.e. cummings/ trad. augusto de campos

                                                  
           
                                 o-h-o-t-n-a-f-g-a
                       que
s)e  e(u  olh)o
paraoaltor
                HOTGOAFAN
                                         eunindose(n-
umEle):s
              aL
                   !t:
A                                                         c
                            (h
eGaNdO                         .gOaTfOaNh)
                                                           a
recom(tor)pon(n)d(ar-se)o
,gafanhoto;

         
tradução: augusto de campos

                                  
                         
                                 r-p-o-p-h-e-s-s-a-g-r
                        who
a)s  w(e  loo)k
upnowgath
                 PPEGORHRASS
                                                   eringin(o-
aThe):l
          eA
               !p:
S                                                           a
                            (r
rIvInG                      .gRrEaPsPhOs)
                                                           to
rea(be)rran(com)gi(e)ngly
,grasshopper;
                
                                                                                    



segunda-feira, 6 de maio de 2013

epígrafe



Wolę czas owadzi od gwiezdnego.

wisława szymborska 


 *

Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.

(trad. regina przybycien)