um relâmpago e após a noite! – aérea beldade,
e cujo olhar me fez renascer de repente,
só te verei um dia e já na eternidade?
bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
baudelaire, a uma passante
eu me lembro de você,
musa em trânsito,
feita de primavera
e pressa.
de suas axilas caíam flores,
seus cabelos cheiravam
a gasolina?
eu me lembro.
um barulho surdo,
de sangue nas veias,
entre os barulhos do dia.
um passo após o outro
na partitura
do silêncio.
talvez fosse um spam
da beleza (e um susto)
em meu sistema nervoso central,
no sistema nervoso
de toda a cidade.
(vasculho o riquíssimo lixo
urbano
de uma lembrança.)
2
você me beijou até abrir o sinal.
você me deixou,
amante e mãe,
sobre a calçada, para eu nascer
sozinho. largou-me no meio da casa
de minha infância. bebeu
minhas lágrimas
sobre uma alfombra
de vestígios e ruínas.
morreu de velhice
numa manhã de agosto.
você soltou minha mão
e disse:
"hei, não exume seu cadáver
sobre minha cama, não assine
obituários de você mesmo
em poemas delicados. porra, antes
de morrer, viva!
ouça a respiração das coisas.
dobre-se sobre elas
e as ouça (tudo: o corpo, a cidade, as fezes
e violetas) respirar."
e ainda assim, você apenas passou,
musa anônima
entre os carros, (bye-bye, baby)
aparição de carne e carne,
sujeita à chuva
e à ferrugem
do esquecimento.
mas você poderia,
eu sei,
num golpe obsceno de silêncio,
ali mesmo
na faixa de pedestres,
despir-me o pijama da rotina,
virá-lo do avesso,
ou (sem vexame algum),
ao coral de buzinas,
enquanto de sua buceta,
sob o restolhal cor-
de-ozônio desmaiado,
escorresse um
óleo carburante,
simular orgasmos com uma planta,
um poste de eletricidade, e ainda com martelos de plástico.*
*[de uma notícia online]
eu me lembro,
antes que a noite chegue,
antes que o mundo acabe,
e eu nem sei o seu nome.
3
nós também construímos
em curitiba (no mundo)
o inferno
com o diesel e a fumaça
do comércio diário.
por isso é que eu sopro a clarineta
de um escapamento
ou canto tossindo,
com a voz pulvero-
rápida, empretecida,
irritada.
os pulmões chiam
dentro do canto
por você,
misturando desejo
e dióxido.
quem diria que a visconde de nácar
tinha vocação (ou combustão,
ou congestão)
e fuligem de cegar
para tornar-se
meu caminho de damasco? e você, uma menina
(de 20 e poucos),
um susto da beleza, outra
qualquer, para ser
a epifania
com quadril e seios,
que converte
à única vida que há?
você tremia no ar,
bailarina paranoica,
pisava
a cortina translúcida
dos gases sujos
e do calor,
você tremia no ar.
4
a contar de então,
venho sangrando
no corpo a manhã.
as vísceras da aurora
são anônimas.
o que sobrou de alma
(o que não foi deixado, uma carcaça
pra feder
ao sol),
encardiu-se
no carbono das horas,
viciou em oxigênio.
a vida a vida.
e por trás dela,
ainda a vida.
vida total, fiapo de vida,
vida desavinda,
no avesso de si mesma...
e no coração de tudo
o que vive ainda,
a morte, com dedos
de mercúrio,
inventa-se,
enrola os novelos do tempo.
ou fora de nós,
atrás dos muros e janelas,
dos batentes,
embaixo das pedras,
atrás dos livros
ou
do lampejo
e arquejo
de cada palavra,
nos observa.
5
parir-se é mais difícil
do que ser parido;
como o sol, nascer
todos os dias.
sinto o mundo latejando
em minhas carótidas. a vida,
desde meu estômago
(desde meu caralho),
incha, inflama, ameaça
rasgar a pele e as roupas,
arremessar meus olhos
no meio da rua,
explodir meu coração
como um fogo de artifício.
um galo de lata
de coca-cola,
almuadem,
canta cinco vezes
ao dia.
caminho por nossas ruas.
uma araucária
na lapela, uma
araucária atravessada
na garganta.
o iguaçu brota,
poluído,
de minha saliva, lava-se
em minha infância
(talvez eu compre uma
arma,
talvez seja
atropelado,
ou fume um
último cigarro,
ou siga um vira-lata
por toda a cidade)
e é em você que eu penso, minha amada,
antes que eu me esqueça,
antes
que eu
me esqueça.
(pássaro ruim, 2009)
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