quinta-feira, 15 de maio de 2014
mestre gregório
A umas freiras que mandaram perguntar por ociosidade ao poeta a definição do Priapo e ele lhes mandou definido, e explicado nestas
DÉCIMAS
1
Ei-lo vai desenfreado,
que quebrou na briga o freio,
todo vai de sangue cheio,
todo vai ensanguentado:
meteu-se na briga armado,
como quem nada receia,
foi dar um golpe na veia,
deu outro também em si,
bem merece estar assi,
quem se mete em casa alheia.
2
Inda que pareça nova,
Senhora, a comparação,
é semelhante ao furão,
que entra sem temer a cova,
quer faça calma, quer chova,
nunca receia as estradas,
mas antes se estão tapadas,
para as poder penetrar,
começa de pelejar
como porco às focinhadas.
3
Este lampreão com talo,
que tudo come sem nojo,
tem pesos como relojo,
também serve de badalo:
tem freio como cavalo,
e como frade capelo,
é engraçado vê-lo
ora curto, ora comprido,
anda de peles vestido,
curtidas já sem cabelo.
4
Quem seu preço não entende
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.
(...)
7
Tanto tem de mais valia
quanto tem de peso, e relho,
é semelhante ao coelho,
que somente em cova cria:
quer de noite, quer de dia,
se tem pasto, sempre come,
o comer lhe acende a fome,
mas às vezes de cansado,
de prazer inteiriçado,
dentro em si se esconde, e some.
(...)
9
Tem uma contínua fome,
e sempre para comer
está pronto, e é de crer
que em qualquer das horas come:
traz por geração seu nome,
que por fim hei de explicar,
e também posso afirmar
que, sendo tão esfaimado,
dá leite como um danado,
a quem o quer ordenhar.
10
É da condição de ouriço,
que quando lhe tocam, se arma,
ergue-se em tocando alarma,
como cavalo castiço:
é mais longo, que roliço,
de condição mui travessa,
direi, porque não me esqueça,
que é criado nas cavernas,
e que somente entre as pernas
gosta de ter a cabeça.
(...)
12
É pincel, que cem mil vezes
mais que os outros pincéis val,
porque dura sempre a cal
com que caia, nove meses
este faz haver Meneses,
Almadas, e Vasconcelos,
Rochas, Farias, e Teles,
Coelhos, Britos, Madeiras*,
Sousas, e Castros, e Meiras,
Lancastros, Coutinhos, Melos.
13
Este, Senhora. a quem sigo,
de tão raras condições,
é caralho de culhões,
das mulheres muito amigos:
se tomais na mão, vos digo
que haveis de achá-lo sisudo;
mas sorumbático, e mudo,
sem que vos diga o que quer,
vos haveis de oferecer
o seu serviço, contudo.
GREGÓRIO DE MATOS
* fiz questão de meter aí os meus, é claro, em lugar dos Pereiras.
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Olá Madeira, fico feliz que tenhas colocado o texto todo. Declamo-o normalmente em uma adaptação que fiz, mas hoje tive saudade do texto todo e não encontrei o livro de Gregório na minha estante. Depois virei outras vezes aqui. Feliz 2021.
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