segunda-feira, 28 de novembro de 2011

estudo mineral para um joia

                                 
                                                                                                                       
                                                    sabrina, amadeo modigliani
                                                      
                    
carbono elíptico.
único.
puríssimo (a sujeira toda da vida).

                               modo artificial de fabricação:

                               a) carvão
                               b) brasa
                               c) cinzas
        
                               d) o cheiro feroz nas roupas

* a última clivagem é restar,
                                do cheiro feroz,
uma lembrança


2.

in natura

a gema

(anterior às 58
facetas) não veio

das minas negras de angola
nem arfou nas mãos
de lapidários belgas.

não foi desentocada
meticulosamente das
entranhas da terra;
             
por cuspe de gêiser mais
que fundo de cava,
da entranha das entranhas
    
prorrompeu:
                    

                                                                      3.                             

verruga de
diamante, rastro de lesma,
pingente: lágrima quase invisível
no pescoço infinito
da mulher
                                                                

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

solidão

                                         



despedaçados, atropelados
cachorros mortos nas ruas
policiais vigiando
o sol batendo nas frutas
sangrando, ó meu amor
a solidão vai me matar de dor


* esta canção, na verdade, é um bolerão pop composto por gilberto gil e letrado por caetano veloso. do disco tropicália (1968).




na vida quem perde o telhado
em troca recebe as estrelas
pra queimar até se afogar
e de soluço em soluço esperar
o sol que sobe na cama 
e acende o lençol
só lhe chamando, solicitando
                                                                   

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

    
     jovem mulher atravessando a rua
          jean béraud (1849-1935)

      

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

a menina atravessa a rua

                             
                 eu te fecundaria com um simples pensamento de amor,
                                  ai de mim!
                                  mas ficarás com teu destino.
                        
                                vinicius de moraes

     
      
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno:
esta árvore sem asas, de pedra
faz nas pernas dela
seu ninho de carne indormida.

mas ela não me sabe.

é como se o sol
que súbito nascera em seu lábios
se pusesse agora em suas coxas.
como se a paisagem do fim de tarde
que no jogo teso
                   de tentativa e erro
antes de concluída a noite chegasse
ao lume preto de seus cabelos,
chegasse
também ao susto de seus peitos.
a menina atravessa a rua
como quem caminha para dentro
de sua própria nudez.

ela
pistilo de flor que deflora
mal-me-quer
arroxeado amor-perfeito
no fundo do peito
no canto da razão
no canteiro de pelos.

ela
a grife sem roupas
o arabesco
a tatuagem no osso
uma espécie de murro
outra mordida
               na maçã mordida.
ela,
com botas sete-léguas
atravessando a vida,
não sabe que me atravessa.
(tal o ônibus em que se vai dentro
e atravessa a noite?
tal a rua à noite que atravessa
a cidade em que se perde?)

ela passa, pássaro líquido,
e transborda ao que vejo,
sozinha no coração de tudo quanto vejo,
ela passa...

e se eu
do alento certo na tristeza,
do chão firme às quimeras
lhe dissesse como maiakóvski:
deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa?
           
mas nunca ouvirá
o que não lhe digo.

ela passa,
entre carros e gente,
ela passa, pássaro líquido,
contemporânea
                de si mesma.

está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno
(no letreiro néon que já se acende
na avenida):

sua pressa, feito uma onda
de impacto,
faz da boca da noite
(solar como a urina)
esta ante-
                aurora
       
  
(sol sem pálpebras, 2007)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

*

(A felicidade,
cria de nossa tristeza,
ficará como deve:

no ombro do idiota,
leve, trama de palha
em lugar das vísceras,
um pássaro verde:

desajeitadamente alegres
entre pernas e perdas)
                           

aulas de solidão (11)

                            
Allegria di naufragi: o título é irônico. O tempo é perseguido em seu perpétuo naufrágio renovado. E neste perpétuo naufrágio, há um momento, o momento em que a poesia chega a expressar-se, que é um momento de alegria.

                                                                     GIUSEPPE UNGARETTI

sábado, 19 de novembro de 2011

aulas de solidão (10)

           
A poesia não salva. E quem diabos quer ser salvo? Este sol de artifício me ilumina por um dia.
                    

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

aulas de solidão (9)

                 
O risco da víbora entre os dedos para extrair-lhe o soro antiofídico. O risco.                                        
A dor de inocular, nas éguas do sangue, o veneno do verbo, um certo tremor. A dor.                                    
A alegria de quem salva - quando salva... e apenas a si mesmo - com belezas fugidias. A alegria.
      

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

radiohead/regina spektor

               
        


SEM SURPRESAS

Um coração transbordante como
Um aterro sanitário
Um emprego que aos poucos te mata
Contusões que não saram
Você parece tão infeliz, cansado
Abaixo o governo
Eles não, eles não falam em nosso nome
Vou levar uma vida de franciscano
Um aperto de mão do monóxido de carbono

Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Silencioso, silencioso

Este é meu último surto
Minha última dor de barriga

Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor

Que casa mais bonita
Que bonito jardim

Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor

treason: rodrigo madeira

        
NO SURPRISES
(radiohead)

A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal

You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide

No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent

This is my final fit
My final bellyache with

No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please

Such a pretty house
Such a pretty garden

No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please




                     

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

notícia de bogotá

                                                                     
     alejandro obregón (estudo para violência)












ELE

Ele ganhou todas as batalhas.
Sua peleja foi corpo a corpo
com armaduras e sem elas.
Se armou com flechas
pôde criar espadas
fez alianças com o veneno
conseguiu esculpir o fogo
despiu a alma dos químicos
soube afiar as palavras
e brandir os livros.
Ele morreu tantas vezes
e foi vencedor muitas mais,
lutou tanto e chega tão cansado.
Ele ganhou todas as batalhas
menos uma,
menos uma com cara de mulher.

                     LUZ HELENA CORDERO

tradução: rodrigo madeira
      
      
ÉL

Él ganó todas las batallas.
Su pelea fue cuerpo a cuerpo
con armaduras y sin ellas.
Se armó con flechas
pudo crear espadas
hizo alianzas con el veneno
logró esculpir el fuego
desnudó el alma de los químicos
supo afilar las palabras
y blandir los libros.
Él murió tantas vezes
y fue vencedor muchas más,
peleó tanto y viene tan cansado.
Él ganó todas las batallas
menos una,
menos una con cara de mujer. 

aulas de solidão (8)

        
Parafraseando Alejandra Pizarnik, posso dizer que, "entre outras coisas, escrevo para que aquilo que temo não aconteça", mas também escrevo para que o que acontece não me destrua.

LUZ HELENA CORDERO
(Bucaramanga, 1961 -   )         

domingo, 6 de novembro de 2011

notícia de cartagena II

                                  
EULÁLIA

Sou a Eulália mas me chamavam Rosa a bruxa,
Fazia magia,
Ajudava a conquistar com uma vela rosa
E a recuperar o amor com o feitiço da madeira
Ou com a bruxaria da lua,
Aumentava a paixão com o segredo marinho das
                                                      conchas
Que misturava no caldeirão de minhas feitiçarias,
Prevenia a saudade
Com pérolas de éter e pó de estrela
E usava o alho macho contra os espíritos maus e
                                                contra a
Infidelidade;
Utilizava a loção de fruta verde para o dinheiro,
A amarela para o ouro
E a transparente para o sexo;
Livrava da má sorte
Com rosas fervidas e carbono de lenha vermelha
Misturando tudo com água pura de lírios.
Em meu consultório de lua elevava os ânimos,
Afastava as dúvidas e as trapaças,
Adivinhava o futuro, o presente e o passado
E deixava as pessoas felizes com meus bons presságios,
Com meu gato ruim chamado Sam
Passeávamos todas as noites na moto vermelha de
                                                          minha risada
Jogando frascos contra as paredes
Para assustar os insones e fazer propaganda de meu
                                               negócio.
Desde que me disseram que as bruxas não existem,
Vendo bíblias.

    
                 FEDERICO CÓNDOR
        (do livro Feitos para uma vida anormal)
             
tradução: rodrigo madeira e lu cañete

      
EULALIA

Soy Eulalia pero me llamaban Rosa la bruja,
Hacía magia,
Ayudaba a conquistar con una vela rosa
Y a recuperar el amor con el hechizo de la madera
O con el embrujo de la luna,
Aumentaba la pasión con los secretos marinos de los
                                                        caracoles
Que batía en la marmita de mis embrujos,
Evitaba la nostalgia
Con perlas de éter y polvo de estrella
Y usaba el ajo macho contra los malos espíritos y
                                                 contra la
Infidelidad;
Utilizaba la loción de fruta verde para el dinero,
La amarilla para el oro
Y la transparente para el sexo;
Hacía limpias contra la mala suerte
Con rosas hervidas y carbón de leña roja
Mezclándolo todo con agua pura de lirios.
En mi consultorio de luna levantaba los ánimos,
Alejaba las dudas y las malas patrañas,
Adivinaba el futuro, persente y pasado
Y hacía feliz a la gente con mis buenos presagios,
Con mi gato malo que se llamaba Sam
Paseábamos todas las noches en la moto colorada de
                                                                   mi risa
Tirando tarros contra las paredes
Para asustar a los desvelados y hacerle propaganda al
                                                          negocio.
Desde que me dijeron que las brujas no existen,
Vendo biblias.     

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

notícia de cartagena de indias

                                                                                                                          oswaldo guayasamín

 
LEPROSO

Todos temos algo de leproso,
Desprende-se a pele de nossas lembranças,
Perdemos a cabeça ou a flor das desculpas,
A dor da ausência nos desfolha,
Morremos de vergonha.
Esquecemos, sei que todos esquecemos,
Que nossa história fica truncada,
Que deixamos os sonhos e as saudades
Grudadas à gaze dos dias.
Todos vamos nos desintegrando,
Deixamos nos lençóis ou na roupa alheia
Uma carícia, uma lágrima,
Um poema, uma canção,
As palavras de amor, as mentiras,
E quando as bocas se unem
Deixamos o mel do abraço
Espalhado no pão de outra língua.
Todos temos algo de leproso,
Mas não nos dão moedas
Nem nos enviam a um lugar comum para nos fazermos 
                                                 companhia;
Não causamos pena,
Explodimos de alegria
Ou nos contorcemos de dor,
Nossas chagas não são iguais,
O que as cura é o algodão da lua.
    
                     FEDERICO CÓNDOR (Bogotá, 1959 -    )
                                   
tradução: rodrigo madeira e lu cañete 
     

LEPROSO
           
Todos tenemos algo de leproso,
Se nos desgaja la piel de los recuerdos,
Perdemos la cabeza o la flor de las disculpas,
El dolor de la ausencia nos deshoja,
Se nos cae la cara de vergüenza.
Olvidamos, sé que todos olvidamos,
Que nuestra historia se queda trunca,
Que dejamos los sueños y las nostalgias
Pegados a la gasa de los días.
Todos nos vamos desintegrando,
Dejamos en las sábanas o en la ropa ajena
Una caricia, una lágrima,
Un poema, una canción,
Las palabras de amor, las mentiras,
Y cuando las bocas se unen
Dejamos la miel del abrazo
Esparcida en el pan de otra lengua.
Todos tenemos algo de leproso,
Pero a nosotros no nos dan monedas
Ni nos destinan a un lugar común para hacernos
                                      compañía;    
No damos lástima,
Estallamos de alegría
O nos desgarramos de dolor,
Nuestras llagas no son iguales,
Nos las cura el algodón de la luna.
                      

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

aulas de solidão (7)

       
A poesia é a virtude do inútil.

                        RABELAIS (ou melhor, MANUEL DE BARROS mentindo)