quinta-feira, 26 de julho de 2012

santo agostinho

        
14. O conceito de tempo
                                                 
[...]
      
O que é realmente o tempo? Quem poderia explicá-lo de modo fácil e breve? Quem poderia captar o seu conceito, para exprimi-lo em palavras? No entanto, que assunto mais familiar e mais conhecido em nossas conversações? Sem dúvida, nós o compreendemos quando dele falamos, e compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei. No entanto, posso dizer com segurança que não existiria um tempo passado, se nada passasse; e não existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e não haveria o tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos – passado e futuro , uma vez que o passado não mais existe e o futuro ainda não existe? E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade. Portanto se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como podemos dizer que existe, uma vez que a sua razão de ser é a mesma pela qual deixará de existir? Daí não podermos falar verdadeiramente da existência do tempo, senão enquanto tende a não existir.
   
           
20. Só de maneira imprópria se fala de passado, presente e futuro


Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem, e que não é exato falar de três tempos  passado, presente e futuro. Seria talvez mais justo dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o presente dos fatos presentes, o presente dos fatos futuros. E estes três tempos estão na mente e não os vejo em outro lugar. O presente do passado é a memória. O presente do presente é a visão. O presente do futuro é a espera. Se me é permitido falar assim, direi que vejo e admito três tempos, e três tempos existem. Diga-se mesmo que há três tempos: passado, presente e futuro, conforme a expressão abusiva em uso. Admito que se diga assim. Não me importo, não me oponho nem critico tal uso, contanto que se entenda: o futuro não existe agora, nem o passado. Raramente se fala com exatidão. O mais das vezes falamos impropriamente, mas entende-se o que queremos dizer.
                                                                       
                                               
SANTO AGOSTINHO  
("Confissões"  trad. Maria Luiza Jardim Amarante.  São Paulo: Paulus, 1984.)

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