terça-feira, 22 de outubro de 2013

das biografias

  
também vou enfiar minha cunha. não direi nenhuma novidade. mas vou dizer mesmo assim, mesmo que aqui, de mim para mim, neste meu bloguezinho baldio.

creio que todos que admiram chico, gil e caetano (bem como a família ruiz/leminski) ficaram de cabelo em pé nos últimos dias. é inacreditável que homens quase sempre tão lúcidos (principalmente o caetano), além de tão censurados no passado recente de nossa história, agora advoguem pela censura -- pela manutenção dos famigerados artigos 20 e 21 do código civil, claramente inconstitucionais.

usar a palavra "censura" para qualificar a manutenção desses artigos  não é nenhum sensacionalismo marrom, apelação de uma imprensa linchadora, como tentaram insinuar alguns dos envolvidos. o termo é esse mesmo. censura, sim, ainda que com a roupagem de uma perífrase eufemística: "autorização prévia do biografado ou dos herdeiros."

fiquei sem entender como nossos ídolos-de-ontem-e-sempre decidiram se dar esse trabalho. como podem de repente, depois de tanta luta, ir na contramão do que cantaram ("é proibido proibir", "cálice"), de tudo o que sempre representaram e fizeram em favor da liberdade de expressão?

os argumentos da turma, após a detonação da polêmica, foram ainda mais ridículos e desencontrados. sério mesmo, chegou quase a dar pena! o primarismo e a debilidade das justificativas foram quase tão comoventes quanto uma criança assustada pega numa baita incoerência! seria isso, ou quase, não fosse o fato de não haver nada de inocente e inofensivo em se defender a censura prévia.

chico buarque, por exemplo, vem de há pouco pedir desculpas a paulo césar de araújo, biógrafo, historiador e jornalista acusado de haver mentido sobre uma entrevista que, segundo artigo do compositor publicado em O Globo, nunca teria acontecido. a entrevista aconteceu. no dia 30 de março de 1992. está inclusive gravada. paula lavigne, ex-mulher de caetano e líder da "procure saber", usou esta mesma declaração equivocada de chico buarque para acusar, no programa televisivo "saia justa" (eu mesmo vi, chapado de sono, com minha filhinha no colo!), as mentiras do mefistofélico biógrafo de roberto carlos. resumo da ópera bufa: os dois, lavigne e chico, que dizem apenas defender os artistas brasileiros contra as supostas difamações de biógrafos oportunistas, difamaram o trabalho sério e devotado de um biógrafo censurado. fizeram exatamente o que disseram querer evitar. é ou não é, como diz o outro, "o fim do final"?      
     
só imagino o que diria o grande sérgio buarque de holanda, nosso maior historiador, a respeito de um ataque assim leviano ao acesso à informação e à construção de nossa memória coletiva...
não dá pra acreditar que chico & cia -- cujas obras e vidas acompanhamos com tanta atenção e carinho -- defendam a institucionalização das biografias chapa-branca e tentem reduzir à atuação varejeira de sórdidos paparazzi um gênero literário tão importante, na linha direta de plutarco.

biografia não é "contigo", cara! biografia não é fofoca! biografia é, sim, quando praticada por um mestre, literatura e história. e mesmo aquelas que versam sobre a vida e o trabalho de meros artistas. biografias como "o anjo pornográfico", de ruy castro, ou "baudelaire", de théophile gautier, são pequenas obras-primas, tanto pelo panorama histórico que traçam quanto por toda dimensão humana que prospectam. são livros de verdade. são, pra lembrar o que cantou um outro caetano (embora nessa mesma encarnação e biografia), "objetos transcendentes", antinarcísicos -- ou seja, com uma imenso poder de afeto e empatia --, que podemos amar do mesmo "amor táctil que votamos aos maços de cigarro".
ou não?

*

em tempo: simplesmente lamentável a censura praticada por alice ruiz e suas filhas contra os escritores domingos pellegrini e toninho vaz. os caras foram amigos do paulo, companheiros de trincheira. sempre falaram e falam dele com o maior respeito intelectual e carinho possíveis.
abaixo, um desabafo de toninho:

incluí uma passagem que dá voz a alguém que teve acesso às condições de suicídio do pedro. conversei com a ex-mulher do pedro ontem e ela está do meu lado. ela me disse: "você não precisa se explicar, elas não estão preocupadas com o pedro". eu sei que não ofendi à família do pedro. nós somos filhos da contracultura. hoje sou um avô, mas já fui um tremendo maconheiro, biriteiro... eu sei o que eu fui, o que nós fomos. mas há pessoas que não aceitam o passado e a realidade. e o que está no livro é a realidade.

**

hoje me deparei com a seguinte explicação para esse curto-circuito moral e intelectual de nossos mestres mpbistas. quem fala é o próprio paulo césar de araújo, biógrafo do rei(está nu)roberto carlos. acho que o cara matou a charada!



A 'compensação' do Procure Saber


Em entrevista ao GLOBO nesta quarta-feira, Paulo Cesar de Araújo especula que um acordo entre Roberto Carlos e o Procure Saber seria a justificativa para que os grandes nomes da MPB estivessem defendendo a necessidade de autorização para a realização de biografias.
- Por que eles entraram nessa briga? Essa é a pergunta que não quer calar - diz o historiador. - Me parece que houve ali uma espécie de compensação. Roberto iria apoiar a agenda do grupo no caso do Ecad (que pedia, entre outras coisas, a fiscalização do órgão) e, em contrapartida, eles apoiariam a causa contra as biografias não autorizadas. Eles próprios falaram que foi Roberto que trouxe essa questão para o grupo, que curiosamente nasceu pedindo transparência, acusando o Ecad de ser uma caixa-preta. Mas isso é só uma hipótese, uma tentativa de entender o que levaria esses artistas a se posicionar dessa forma.
Araújo nota que a tese do Procure Saber tem seus pilares nos processos que Roberto Carlos moveu contra ele e que levaram à proibição da biografia "Roberto Carlos em detalhes".
- Roberto não está se pronunciando agora porque fez isso em 2007, em seus processos contra mim. Quando vi os argumentos do Procure Saber me dei conta de que já tinha lido aquilo em algum lugar. Claro, tinha lido nos meus processos. As duas teses estão lá, a privacidade e o fato de estarem ganhando dinheiro em nome do artista. E o Procure Saber encampa exatamente as duas teses, não há nenhuma originalidade, eles não criaram nada. Agora eles estão tendo dificuldade para defender essa tese estapafúrdia.
Para Araújo, em seus artigos sobre o tema, Chico, Djavan, Gil e Caetano parecem "amarrados":
- Eles tinham que escolher defender ou a privacidade ou o dinheiro. Há uma dificuldade de defender a proibição de biografias não autorizadas para pessoas que sabem o valor do livro, que além de leitores, são autores. Você vê que Caetano é de partir para cima, de surfar em cima de um assunto. Não foi assim nesse caso. Sinto eles amarrados. Porque eles estão defendendo uma tese que no fundo não acreditam. Roberto nesse sentido foi sincero, porque ele acredita nisso. Ele vive num outro mundo, do mercado imobiliário, do cartão de crédito, o mundo do dinheiro. Não tem maiores intimidades com a literatura. Você até entende ele querer queimar um livro. Mas não os outros.
O historiador chama atenção para outra diferença entre Roberto e os artistas do Procure Saber.
- Eles falam como se estivessem sufocados por biografias não autorizadas. O artigo de Djavan é como se fosse um basta aos milhares de livros escritos sobre eles. E não existe nenhuma! Nenhum deles tem. A do Milton é autorizada, a do Gil é autorizada, o Chico tem perfis autorizados... O único que enfrentou essa situação de ter uma biografia não autorizada de fôlego sobre ele foi Roberto.
Araújo demonstra desânimo na voz ao comentar o fato de ter recebido acusações diretas vindas de Roberto Carlos (que num dos processos pediu sua prisão) e de Chico Buarque (que diz que o historiador mentiu), dois artistas que admira:
- Encarar duas instituições nacionais, o príncipe da MPB de um lado e o Rei da música brasileira do outro, não é fácil. Só os fortes sobrevivem.


[http://oglobo.globo.com/cultura/exclusivo-video-mostra-entrevista-de-chico-buarque-autor-de-biografia-de-roberto-carlos-10394660#ixzz2iMwm5Mvf ]

3 comentários:

  1. Muito bem, Mr. Wood,

    Parece que os MPBistas estão sendo mesquinhos ao tentar maquiar furúnculos no pescoço quando muita gente ainda precisa saber dos fios desencapados que machucaram garotas de quinze anos, não é mesmo?

    Outra coisa interessante é pensar que quando tudo isso passar, quando finalmente liberarem as biografias, pois a imprensa em peso pressiona neste sentido, os MPBistas receberão pelo menos um parágrafo de suas vidas dedicado ao Procure Saber... mancha de vinho que caiu do cálice em calça branca boca de sino...

    Mas não vai se alegrando muito, Mr. Wood, pois se um dia resolverem botar em preto e branco tuas histórias... ai ai ai

    Abração cumpadi,

    T.K.

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  2. De qualquer jeito, e atravessando o ritmo e a afinação da discussão, o texto do Domingos Pellegrini sobre o Leminski que o primeiro saiu divulgando na pressa de mostrar como ele é ótimo é uma mostra de como um escritor vaidoso e apressado não sabe revisar o próprio rabo e reclama do alheio -- só um pitaco aqui, entre os vários possíveis...

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  3. é isso aí, terence. estão escrevendo um trecho bem mesquinho de suas gloriosas histórias...

    como diria caetano,
    abraçaço.

    *

    não sei, ivan. não li nada dessa obra online. mas as declarações de pellegrini sobre o polaco loco paca sempre me pareceram elogiosas e comovidas. de verdade.
    de qualquer forma, creio que é uma questão de princípios. a liberdade de expressão e de criação deve se estender até aos idiotas e vaidosos. é como aquele lance do voltaire. é tão básico, cara! parece que essas pessoas ficaram obnubiladas, sei lá...
    não acho que a vida de paulo leminski pertença exclusivamente à família dele. sua vida - e por isso ele é tão amado e influente - está espalhada por aí.
    se um artista ou sua família sentirem-se difamados por um autor - ou feridos em seus direitos autorais - que o processem por danos morais ou materiais. e que a justiça decida isso.
    acho que a censura prévia, ganhe o nome que ganhar, prejudica seriamente o futuro e a credibilidade de dois gêneros literários importantíssimos: a biografia e o memorialismo.
    pô, por que será que nunca fizeram a biografia do mário de andrade? porque a família não deixa, é claro. a família privatizou o mário de andrade! não é por outra razão que o autor da biografia do marighela, livro vencedor do último jabuti na categoria, afirmou que abandonará o gênero biográfico caso o STF não derrube aqueles artigos do código civil...
    posso estar enganado (o ser humano é um abismo em duas pernas), mas creio que o próprio leminski, um cara que também escreveu sobre vidas alheias, jamais defenderia a postura adotada por sua família.

    abração.

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