sexta-feira, 29 de julho de 2011

não sei dançar #3

                  
* letra de canção. para ouvir, cantada sofrivelmente por mim, 
clique aqui: http://www.myspace.com/570488999
                                

QUARTA-FEIRA DE SAMBAS
(OU: TENTATIVA DE SAMBA À MANEIRA DE DYLAN)
(rodrigo madeira)
 

(Éden ou cela com grades de pernas
Diriam o cego, o tolo ou o louco
Que no samba, seja céu ou inferno
Até Deus tem o Diabo no corpo)

O samba não minora a dor
Samba não é mantra
O samba só minera a flor
Do samba

O homem cantou de galo
A moça trinou de contente
O samba espessava o espaço
O samba vadiava o tempo
A moça era a carne da noite
O homem a chama da vela
O peito era um pandeiro afoito
Um surdo era o coração dela

O corpo ganhou dez mil nervos
A alma subiu na figueira
A alma ficou pelo avesso
O corpo desceu a ladeira
Se a morena não quer, há morena queira

O samba não minora a dor
Do samba

O homem mal à vontade
A moça a vontade de todos
O homem de água parada
A moça de carpas e lodo
Pro homem a cara-metade
Pra moça a cara de um bobo
A moça de aves que escapem
De um espantalho no horto

O corpo ganhou dez mil nervos
A alma dez quilos de feno
O corpo estacou a ladeira
A alma dormiu no sereno
Você não sabe, morena, o que tá perdendo

O samba só melhora a dor
Do samba

A moça sorria e sambava
O homem pensava besteira
O homem tomava cachaça
A moça bebia cerveja
A moça já louca de gole
O homem endoidou de desejo
A moça tá me dando mole
Ah, se eu pego essa moça de jeito

O corpo era sobra da festa
A alma era um resto de feira
A alma empoçava, molesta
O corpo desceu a ladeira
Morena, você não é flor que se cheira

O samba não minora a dor
Do samba
O samba só melhora a dor
Do samba

O homem inteiro na dela
E a moça jogava o quadril
O samba em compasso de espera
O corpo sambou no vazio
E a moça esvoaçou pro lado
O homem pensava em ver briga
A noite era um negro suado
De orvalho na barra do dia

O corpo ganhou dez mil nervos
A alma virou um enxame
O corpo beijou a ladeira
A alma abraçou como o mangue
Morena, você que se dane

Olha a mágoa mineral, olha a mágoa
Olha a mágoa, mágoa, mágoa mineral etc
             

quinta-feira, 28 de julho de 2011

minuto de cínica sabedoria (XI)

                                                                                                                  
A eternidade é um baita defeito de caráter.
                       

segunda-feira, 25 de julho de 2011

não sei dançar #2

                                                                                                
* letra de canção. para ouvir, clique aqui:
http://www.myspace.com/570488999
           
* agradecimento especial ao andré pepe russo, que fez a segunda voz
e tocou todos os instrumentos (exceto o violão).


RISCA-FACA
(madeira/ otávio kajevski jr.)


O amor se não for
Não é pra ser
O amor tem que sangrar
tem que doer
O amor se não for
Não vai voltar
O amor tem que doer
Tem que sangrar

2X
Se o diabo não gosta
E deus não quer
Eu vou arrumar outra mulher

O amor se não diz
Não vai calar
O amor tem que doer
Tem que sangrar
O amor quando cala
Vai dizer
O amor tem que sangrar
Tem que doer

2X
Se o diabo não gosta
E deus não quer
Eu vou arrumar outra mulher

O amor quando morre
Quer matar
O amor tem que doer
Tem que sangrar
O amor quando mata
Quer nascer
O amor tem que sangrar
Tem que doer

2X
Se o diabo não gosta
E deus não quer
Eu vou arrumar outra mulher

(O amor mudou de endereço
De lábios e telefone
Mudou de olhos e adereços
De pernas, seios e nome

Farejou novos começos
Como um cachorro com fome
O amor não cospe o que come
Já rasgou seu palimpsesto
E vai deitar-se no berço
Na cama onde morre um homem

O amor mudou de endereço
De lábios e telefone
Mudou de olhos e adereços
De pernas, seios e nome)
           

quinta-feira, 21 de julho de 2011

                                          
foto: ricardo pozzo












Uma gaivota
surgiu na praia

                                      planou 15 segundos
                                      diante dos meus olhos

o mesmo tempo
que um menino leva
para viver a infância

ela quis me dizer algo
algo em mim quis me dizer algo
à visão
telúrica mais que angélica
da gaivota

mas ela se foi
súbito como se eu
lhe desse as costas

e nunca mais fui à praia
ou vi uma gaivota

o que quer que tenha dito
eu não ouvi
                 

segunda-feira, 18 de julho de 2011

meus oito anos

                               
e se afinal, depois de morto,
a eletricidade e a constância
das cigarras em minha infância
reanimarem meu velho corpo
?

gismonti/carpinejar




Envelheci,
tenho muita infância pela frente.

 FABRÍCIO CARPINEJAR

segunda-feira, 11 de julho de 2011

a 4 patas

                                                                           


para

crianças em extinção
& adultos bestas quadradas


BEIJA-FLOR

O beija-flor deixou todo mundo intrigado,
abandonou o florido jardim
e se mudou pra horta ao lado.

Curiosa, a florzinha perguntou:
– Mas o que houve, meu senhor?
E o beija-flor em estado de graça:
 – Me apaixonei por uma couve, flor!
          
***
             
AMOR DE MICRÓBIO

Um vírus falou pra bactéria:

– Meu amor, sei que sou minúsculo.
Mas por ti meu afeto, infeccioso,
é um lindo e eterno mal súbito.

***

O GALO

O galo de Portugal
não quis libertar
a negra galinha d´angola.

Por isso fugiu do quintal,
pra ser galinha quilombola.
          
***
                   
O BURRO

Conheço um burro inteligente
que adora, por exemplo,
complicados estudos de semântica.
Quando ele empaca, empaca mesmo,
e não o desempaca o dono ignorante,
até resolver uma série de sérios
problemas de física quântica.

***

UMA TRAÇA

A traça casou com o traço
debaixo de um travessão.
Depois da página 30,
cansada de traição,
a traça traçou o traço
antes da palavra “perdão”.

***
          
A VESPA

A vespa revoltada,
querendo se libertar,
decidiu virar formiga
e desaprendeu a voar.

                                
              LU CAÑETE E RODRIGO MADEIRA


* alguns dos poemas de nosso livro de pano "A 4 PATAS - um livro de zoopoesia" (ed. língua de trapo)

domingo, 10 de julho de 2011

toquinho e mutinho

                           
No dia 25/06 deste ano, fui pela primeira vez a uma sessão espírita. Enquanto dormia.
Qual não foi o espanto de todos quando Vinicius de Moraes, o Vininha, deu as caras! (caras cheias, suspeitamos.) Decidiu se comunicar por vias travessas: um médium patusco e senhorzinho, desses que gargarejam com parati e amam uma mulher pela manhã.
Espantado, enternecido, mas a princípio e em princípio relutante, acabei por lhe dar razão.  
"Já que vocês querem tanto saber, não é nem Águas de março nem O mundo é um moinho nem À flor da pele, no fim das contas; O caderno, aquela musiquinha – meio caixinha de música, meio Bach – do meu querido parceirinho, aquela sim é a mais bela canção popular brasileira."




Depois respirou fundo, com imenso prazer.
"A não ser talvez por Coqueiro de Itapoã, ahhh!... Mas desde que cantada pelo próprio Pero Vaz de Caymminho!"   


E dá pra não concordar? 

sexta-feira, 8 de julho de 2011

      

                                                   GARRAFA E FOTO: LU CAÑETE


* escreveu numa mensagem-de-garrafa-lançada-ao-mar :
  o mar não existe!
                                     ("infância", sol sem pálpebras)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

não sei dançar #1

              












      
* letra de canção. para ouvir, clique:


SARAGHINA (rodrigo madeira)

A primeira vez de um menino
Quando vai à praia cedinho
O mar de que só ouviu falar
O dia azul-claro
O calção azul-claro
O perfume azul-claro do mar

O vento respira fundo
Tudo de férias do mundo
A brisa empalha um pássaro no ar
O menino olha as pedras
Ele olha as pernas
Ouve a masturbação do mar

Tudo acaba em areia e espuma
A vida deitada e nua
Os cabelos crespos deste mar
O sol tatua
A vida sua
A colcha da cama é o espraiar

A primeira vez de um menino
Quando volta da praia sorrindo
O mar atrás de si a naufragar
A brisa boceja
No alumínio vazio de cerveja
A canoa encalhada em seu olhar

A primeira vez de um menino
Quando volta da praia sorrindo
O mar atrás de si a naufragar
A brisa boceja
No alumínio vazio de cerveja
Nas conchas das mãos escuta o mar

A brisa beija
Um alumínio vazio de cerveja
Nas conchas das mãos leva o mar
Traz o mar
Leva e traz do mar
Leva o mar
Leva e traz do mar

8 e 1/2 de fellini

   

sexta-feira, 1 de julho de 2011

(nota de rodapé de árvore)

                                 
voltei há um ano.
comi amoras no pé, as mesmas amoras.

o pé era o mesmo,
meus pés cresceram.

não voltei para casa
deliciosamente espancado,
com a hering exangue do
fruticídio.

e já não aconteceu
o limão frutificar,
entre flores de maracujá,
num dos galhos invisíveis.

a amoreira, sem criança
que pese no durame,
se não escrevo o poema,
não passa de uma amoreira.