sábado, 30 de março de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
antônio machado
AS MOSCAS
Vocês, moscas familiares,
onde a fome sempre pousa,
vocês, as moscas vulgares,
me evocam todas as coisas.
Oh, velhas moscas vorazes,
como abelhas em abril,
velhas moscas pertinazes
em minha calva infantil!
Moscas daquele fastio
pela sala familiar,
as claras tardes de estio
em que me pus a sonhar!
E na aborrecida escola,
ágeis moscas divertidas,
perseguidas
por amor do que decola,
– que tudo é voar –, sonoras
esbarrando nos cristais
pelos dias outonais...
Moscas de todas as horas,
de infância e adolescência,
da juventude dourada;
desta segunda inocência,
que nos leva a crer em nada,
de sempre... Moscas vulgares,
a quem, de tão familiares,
não há um digno cantor:
bem sei que vocês pousaram
sobre os jogos encantados,
o livro escolar fechado,
sobre uma carta de amor,
sobre as pálpebras rígidas
sobre as pálpebras rígidas
dos que jazem já sem vida.
Inevitáveis gulosas,
que nem lavram como abelhas,
nem são belas mariposas;
pequeninas, revoltosas,
só vocês, amigas velhas,
me evocam todas as coisas.
segunda-feira, 11 de março de 2013
pintura de uma mulher da família hofer,
autor desconhecido (1470, aproximadamente)
a retratada é uma nobre alemã do século XV.
na mão esquerda, um ramo de flor conhecida como "não-me-esqueças".
do lado oposto, aterrissada em sua touca, uma mosca que ao mesmo tempo "em silêncio grita" a sua (e a nossa) mortalidade: am not i/ a fly like thee?
essa é certamente a mais extraordinária mosca da história das artes. a mosca sem nome de um artista sem nome.
a mim, sempre me pareceu que essa mosca perturba não apenas nosso sonho de eternidade, mas o sonho de eternidade da própria arte.
sexta-feira, 8 de março de 2013
fabrício carpinejar
Tira as flores da água.
Ainda não morri.
Ainda sobrevoo
minha sombra,
essa vida insuportável de moscas.
As moscas são os anjos da miséria,
estão em toda parte,
escoltando o apodrecimento.
Deus, peço tua demissão por justa causa.
Não saberás se falo sério ou se estou rindo.
Vou indo. Na incerteza, o réu é sempre absolvido.
(fabrício carpinejar)
quarta-feira, 6 de março de 2013
guilherme gontijo flores
3
sobre o couro do búfalo
moscas pairando
somos –
no raso da razão
como
a larva da seda
jaz morta em casa
no seu próprio laço
envolta
envolta
no fio de si –
nós somos
(guilherme gontijo flores)
* terceira das quatro partes do poema "orações". do livro "brasa enganosa", prestes a ser lançado. li-o em arquivo há algumas semanas. belo livro, com momentos verdadeiramente luminosos. uma baita estreia!
segunda-feira, 4 de março de 2013
e.e.cummings (VII)
* em duas tentativas
de uma vidraça)a
de uma vidraça)a
(cai
ndogiraemtorno
de si
mesma louca)mosca(mente
de si
mesma louca)mosca(mente
que
duma só)cessa
(vez
*
pela vidraça)a
pela vidraça)a
(goteja
ndoes
pir
ala louca)mosca(mente
pir
ala louca)mosca(mente
que
era)cessa
(uma vez
trad. r.m.
off a pane)the
off a pane)the
(dropp
ingspinson
his
back mad)fly(ly
who
all at)stops
(once
off a pane)the
(dropp
ingspinson
his
back mad)fly(ly
who
all at)stops
(once
sexta-feira, 1 de março de 2013
rómulo bustos/ trad. ricardo pozzo
DA DIFICULDADE EM CAPTURAR UMA MOSCA
A dificuldade em capturar uma mosca
reside na complexa composição de seu olho
É a mais próxima ao olho de Deus
Através de uma rede de ocelos diminutos
pode observá-lo a partir de todos os ângulos
sempre disposta ao voo
Parece que o grande olho da mosca
não distingue cores
Provavelmente também não faça distinção entre você,
que tenta capturá-la, e os restos decompostos em que pousa
trad. ricardo pozzo
DE LA DIFICULTAD PARA ATRAPAR UNA MOSCA
La dificultad para atrapar una mosca
radica en la compleja composición de su ojo
Es el más parecido al ojo de Dios
A través de una red de ocelos diminutos
puede observarte desde todos los ángulos
siempre dispuesta al vuelo
Parece ser que el gran ojo de la mosca
no distingue entre los colores
Probablemente tampoco distinga entre tú
que intentas atraparla y los restos descompuestos en
que se posa
(rómulo bustos)
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