quinta-feira, 11 de julho de 2013

o espelho

     


                   
de camisa aberta
em frente a mim mesmo.

o espelho é a prisão profunda
de que somos vigias e presos,

condenados e carcereiros.
e no entanto o homem

é observado, triste alimária
de si mesmo. e no entanto

milhões de olhos o observam
atrás deste, de todos os espelhos.

e no entanto (otnatne on e)
nada há de mais solitário

que o homem (povo estranho e
ninguém) num espelho.


2

nu, já vai
vestido
em pesada couraça
de nudez: imagem

                 (inervação
                 do vidro)

linguagem
solidez permanente-
mente
líquida

apertar a visão:
homem
inseto
árvore

num espelho
quantos
estilhaços
               cabem?


3

a poesia é a última fronteira,
sempre inédita e a mesma.

ali, a loucura expatriou-se
na lucidez, pura e simples e suja e

     
      s  (sangue)    e
n        e
      m
                     t
o            i
                        d


4

o espelho de um narciso apóstata
reflete nos olhos suas costas.

o anonimato é a fundação
de meu espírito, arco árabe

de meu rosto. sou anônimo
como um cão vira-lata

condecorado com sarna, chagas,
laureado de moscas.

sou mais belo agora, cicatrizando
o tempo na carne a carne nas horas

do que quando fui belo bela criança
que se olhou no espelho de casa

como pássaro bebendo água (ingênuo
de imagem e essência) na poça.

superfície burra, sincera, óbvia,
ser é seres é sermos é: ?


RENÉ MAGRITTE, reprodução proibida 
(retrato de edward james), 1937


5

o espelho, coisa mágica do vazio,
feito a arte, inventa volumes:

minha imagem é feita de carne,
doce e arredia como perfume.


6

também reflito o espelho (eu, outro)
quando não há nada em sua frente.

o espelho, raso milhares de abismos,
fez-se a porta para a liberdade  

o espelho espelha a cidade,
o espelho raso como a página 

(vejo minhas víscera no espelho)
infinito afora, além, por dentro


(pássaro ruim, 2009)

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