quarta-feira, 31 de julho de 2013

poética #2

         
que meu poema não seja
água parada,
fervilhando horror
ou desespero
com a calma
perigosa dos vasos;
mesmo que esteja
em aparência estático,
seus ossos expostos
insinuem do esqueleto
duro e árido
um movimento.

que meu poema
não seja parado. jamais
como a ave embalsamada,
arremedo, lembrança de vida
na carne da morte,
mesmo que um pássaro
morra em minha voz:
que ele fique respirado
ainda
seu último suspiro
na eternidade precária
da página.

que não seja feito
uma catedral,
este navio encalhado
há séculos,
mesmo que haja
um quê de reza,
de enormidade, de infinitude.

que seja, ainda assim,
bar de beira de estrada,
vivo e à margem da vida,
onde ninguém dorme,
ninguém é sepultado,
onde se vai e se vem
e se confesse
tudo quanto for (extra, 
extra!)ordinário:

      a puta
              o bêbado
       o assassino
                             o argentário
                                    o louco
o tímido
            o mentiroso
            o incoerente.

que a chuva chova, extrínseca,
em meu poema, que o mar
invada as páginas
e salgue e enferruje
e adoeça as palavras,
que o tempo passe
dentro do poema
e o envelheça,
seus ramos e cabelos,
e amarele seus dentes
e vinque sua carne
e enfraqueça seu grito.

mas que ele seja
sempre
(até o fim de sempre),
mesmo que feio,
fétido,
carcomido,

um fato inequívoco
da primavera.


(pássaro ruim, 2009) 

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