Instruções para dar corda no relógio
Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo.
Agarre o relógio com uma das mãos, pegue com dois dedos o pino da corda,
eleve-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores desprendem suas folhas,
os barcos correm regatas, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e
dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Que mais você quer, que mais você quer? Prenda-o
depressa no seu pulso, deixe-o bater com liberdade, imite-o ofegante. O medo
enferruja as âncoras, cada coisa que se pôde alcançar e foi esquecida vai
corroendo as veias do relógio, gangrenando o sangue frio de seus pequenos
rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos e chegamos antes e compreendemos
que já não importa.
***
Relógios
Um fama tinha um relógio de parede e todas as
semanas lhe dava corda COM GRANDE CUIDADO. Um cronópio passou e ao vê-lo
começou a rir, foi a sua casa e inventou o relógio-alcachofa ou alcachofra, que
de uma e outra maneira se pode e se deve dizer.
O relógio alcachofra deste cronópio é uma
alcachofra da grande espécie, preso pelo talo em um buraco da parede. As
inumeráveis folhas da alcachofra marcam a hora presente e ademais todas as
horas, de modo que o cronópio não faz mais que arrancar uma folha e já sabe uma
hora. Como vai arrancando-as da esquerda para a direita, sempre a folha da hora
exata, a cada dia o cronópio começa a arrancar uma nova sequência de folhas. Ao
chegar ao coração, já não se pode medir o tempo, e na infinita rosa violeta do
centro, o cronópio encontra uma grande satisfação, então ele a come com azeite,
vinagre e sal, e põe outro relógio no buraco.
tradução: r.m.
[CORTÁZAR, Julio. Historias de cronopios y de famas. Buenos Aires: Ed. punto de lectura, 2003. p. 29 e 134.]
tradução: r.m.
[CORTÁZAR, Julio. Historias de cronopios y de famas. Buenos Aires: Ed. punto de lectura, 2003. p. 29 e 134.]
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