derredor
tudo é uma única carne,
massa de sangue e manhãs,
um único crime e milagre;
nas contorções do ar,
a mesma espessura do minério.
piso folhas secas, manchadas
de outono e icterícia.
avanço, anjo carnívoro,
enfiando os dedos azuis nos
bolsos furados do existir, nas
alegrias de alto teor alcoólico, nos
instantes como sais de prata,
frutos, fósforos.
caibo inteiro em minha solidão.
não estou só.
um perfume gordurento do corpo
(nu sob as roupas) rói mucosas e
epidermes e
me impele ao reino onde sou
bicho, outro, construção remedida
pelo arqui-
teto de estrelas. meu fedor
é uma chama! me depõe nova-
mente sobre as árvores.
eis que vejo: o louva-a-deus.
olha-me como
se eu fora de fora,
alienígena, um cão sobre a jangada.
olhamo-nos
circunspectos.
será que pensa, será que sofre
quando curva a cabeça, beato e fera?
remexe o espéculo de antenas
(não dirá palavra),
experimenta as asas,
mantídeo de entre folhagens.
penetro hipoteticamente
sua armadura
em verde-escarro,
ou por baixo
seu espigão fracionado
e ausculto
a víscera espumando morte
e espanto.
existe nele um rancor que é meu,
uma alegria radiante.
louvamos ambos,
de espinhos armados,
o sol que brilha indiferente
sobre deus e o mundo.
(sol sem pálpebras, 2007)
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