pequeninas e amargas,
o gosto do índigo do inverno
já floresce dentro delas.
A casa é invadida por grilos,
entraram em busca do calor.
Esgueiram-se para dentro do forno
e para trás da geladeira,
armam investidas pelo chão
cantando uns para os outros:
Aqui, aqui, aqui, aqui.
Pisamos neles por engano,
apanhamo-los, às dúzias,
dúzias de consciências negras contorcendo-se,
e jogamos porta afora.
Eles não têm o que comer,
não conosco. Não há mais colheitas ou celeiros,
só mesas e cadeiras.
Ficamos afluentes demais.
Dentro de casa, morreriam de fome.
Espere, espere, espere, espere, dizem. Temem
morrer congelados. Sob a vassoura
sua armadura negra estala.
A formiga e o gafanhoto têm
seu lugar em nossos bestiários:
a primeira acumula riquezas, o segundo
gasta. Ficamos no meio do caminho, aprovamos
a formiga (cabeça), adoramos
o (coração) gafanhoto,
emulamos a ambos: por que escolher?
Armazenamos e vadiamos.
Quanto aos grilos, foram
censurados. Não temos
grilos em nossas lareiras. Não temos lareiras.
Ainda assim, eles nos acordam
à fria meia-noite,
pequenas vozes tímidas que não podemos localizar,
pequenos relógios tiquetaqueando,
relógios baratos; pequenas lembranças de metal:
tarde, tarde, tarde, tarde,
em algum lugar em meio aos lençóis,
nas molas das camas, no ouvido,
as hordas dos mortos de fome
voltam como as batidas de nossos corações.
[Atwood, Margaret. A porta - trad. Adriana Lisboa. Rio de janeiro: Rocco, 2013]
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