segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

octavio paz

                                                                                                  
                                        
                                  mulher de pé em vermelho,
                                  egon schiele, 1913

                                                       
CORPO À VISTA

 
E as sombras se abriram outra vez e mostraram teu corpo:
teu cabelo, outono espesso, queda de água solar,
tua boca e a branca disciplina de seus dentes canibais, prisioneiros em chamas,
tua pele de pão apenas dourado e teus olhos de açúcar queimado,
lugares onde o tempo não transcorre,
vales que apenas meus lábios conhecem,
desfiladeiro da lua que ascende à tua garganta entre teus seios,
cascata petrificada da nuca,
alto platô de teu ventre,
prata sem fim de teu costado.

Teus olhos são os olhos fixos do tigre
e um minuto depois são os olhos úmidos do cão.

Sempre há abelhas em teu cabelo.

Tua coluna flui tranquila sob meus olhos
como a coluna do rio à luz de um incêndio.

Águas dormidas golpeiam dia e noite tua cintura de argila
e em tuas costas, imensas como os areais da lua,
o vento sopra por minha boca e seu longo gemido cobre com suas duas asas grises
a noite dos corpos,
como a sombra da águia na solidão do firmamento.

As unhas dos dedos de teus pés são feitas do cristal do verão.

Entre tuas pernas há um poço de água dormida,
baía onde o mar de noite se aquieta, negro cavalo de espuma,
caverna ao pé da montanha que esconde um tesouro,
boca do forno onde são feitas hóstias,
sorridentes lábios entreabertos e atrozes,
núpcias da luz e da sombra, do visível e invisível
(ali espera a carne sua ressurreição e o dia da vida perdurável).

Pátria de sangue,
única terra que conheço e me conhece,
única pátria em que eu creio,
única porta ao infinito.
                                                                                  
         
trad. r.m.

original de octavio paz
                                  

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