terça-feira, 29 de abril de 2014

Écloga ligeira (ou: aurea hypocritas)

                           
nicolas poussin, os pastores de arcádia (1637-38)

               
EDIR

Que fazes aqui, capeta,
tão mudo de pregações,
num prado de tentações
abordando esta ninfeta?

Eu te flagro, coisa ruim,
pastoreando seus pecados
com seu bordão tridentado
entre as anjas de escarpim.


VALDEMIRO

E tu, encosto nefando,
que fazes então aqui?
Fui quem primeiro te vi,
olhos saltados, babando.

Foste flagrado, seu cão,
entre os montes concretados
e os rebanhos desgarrados,
sem tua bíblia na mão.


EDIR

Eu-eu vim por Madalena,
Em-em nome de Jesus,
vim como quem verga à cruz
trazer luz a uma falena.
     
(dirigindo-se à ninfeta)
        
O reino do Senhor tem,
maior que as delícias vãs,
amor infinito. Irmã,
aceite Jesus! Amém?


VALDEMIRO

E eu-eu lá sou publicano,
Eu-eu lá sou embusteiro?!
Que me custam uns dinheiros
pra arrancá-la ao desengano?

(dirigindo-se à ninfeta)

Meu amor vai mais além.
E Deus dá mais do que as putas!
Sai, encosto! Encosto, escuta:
ela é minha, é nossa! Amém? 


EDIR

Isso é uma prosperidade,
uma baita obra de Deus,
convencer quaisquer ateus
aos cajados da Verdade.

Filho pródigo, ó pastor,
vamos con-ver-tê-la juntos!
Ao inferno outros assuntos,
se infinito é o nosso amor!


VALDEMIRO

Deus é pai e Deus é pau
– Universal ou Mundial –
para toda e qualquer obra.
Se o pecado a Deus se dobra,
ao inferno outros assuntos:
vamos convertê-la juntos!

                  
A NINFETA, MADALENA, FALENA, PRIMA & IRMÃ

Amém, amém, meus irmãos,
mas não tenho a noite inteira!
Pra que tanta embromação,
tanta conversa fuleira?!

Eu não quero nem saber
quem é santo e quem é ogro.
Se juntos vão converter,
Eu cobro de cada o dobro! 
                                             

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