sexta-feira, 18 de abril de 2014

sexta-feira santa/ jorge luis borges

                                                   
CRISTO NA CRUZ
                    
                                                     
Cristo na cruz. Os pés tocam a terra.
Os três madeiros são de igual altura.
Cristo não está no meio. É o terceiro.
A negra barba pende sobre o peito.
O rosto não é o rosto das imagens.
É áspero e judeu. Eu não o vejo
e o seguirei buscando até o dia
de meus últimos passos pela terra.
Esse homem alquebrado sofre e cala.
A coroa de espinhos o excrucia.
Não o alcança a zombaria da plebe
que viu sua agonia tantas vezes.
A sua ou a de outro. Dá no mesmo.
Cristo na cruz. Desordenadamente
pensa no reino que talvez o espere,
pensa numa mulher que não foi sua.
Não lhe é dado enxergar a teologia,
a indecifrável Trindade, os gnósticos,
as catedrais, a navalha de Occam,
as púrpuras, as mitras, a liturgia,
a conversão de Guthrum pela espada,
a inquisição, bem como o sangue mártir,
as atrozes Cruzadas, Joana D’Arc,
o Vaticano que bendiz exércitos.
Sabe que não é um deus, que é um homem
que morre com o dia. Não lhe importa.          
Lhe importa o duro ferro de seus cravos.
Não é romano. Não é grego. Geme.
E nos deixou esplêndidas metáforas
e uma doutrina do perdão que pode
anular o passado. (Essa sentença
escreveu-a um irlandês em um cárcere.)
Sua alma busca o fim, apressada.
Escureceu um pouco. Já está morto.
Anda uma mosca pela carne quieta.
De que pode servir-me que aquele homem
tenha então sofrido, se eu sofro agora?
                                                                                     
trad. r.m.
                        

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