quarta-feira, 27 de abril de 2011

para tullio e augusto

                         
espantalho


                  mis mares interiores se quedaron sin playas.
                                                     federico garcía lorca


o vento cardíaco
carrega um homem sem voz
que não sabe se encostar
e morrer.
as ventoinhas, a caminho
de serem pedras,
tremem como espinhas de peixe
não tremem
e jazem malferidas
sem sofrer. ai!
só a respiração do trigo
é minha amiga.
o azul cerúleo, que transporta
homens e pássaros, a mim ameaça
  é quando não durmo.
sempre que gepetos à relha
mexem a terra,
conto os minutos
para a cova que me abrem.

essas coisas que vejo sem retinas
existem, não há dúvida.
meus olhos são os ossos da cegueira,
caminhos pelo escuro, moscardos cegos.
vou abandoná-los, de todo em todo
não me estiolaram.
serei mais lúcido que o sol ao meio-dia.

ó noite, por terrível que sejas,
no plástico preto
com que asfixias tudo
há furos de estrelas!

moro no plantio,
próximo ao galpão, à colheitadeira.
moram em mim de passagem
como num hotel barato.
fui feito para o terror
e não pude senão me assustar.
(não dou sombra ou frutos ou coroas,
não sou Dafne
em sua grande tristeza vegetal.)

dois corações se debatem
em meu peito:
uma maçã cheia de larvas,
mordidas, merda de gralha;
outro que é ninho e fuga e
salsugem do mar nunca visto.
penso através do susto, do mofo,
do amor, da inveja.
meu sorriso de barbante
é uma cicatriz perplexa.

o único movimento, às abelhas do sol,
é parar sempre,
estacado sem o céu e o chão.
e no entanto, caso não me traia
e me devolva a solidão,
migro como meus inquilinos.

tenho paina e feno nas carnes.
meu sangue é a água quando chove.

será que estou vivo?
minha voz dobrará horizontes?

deus, dai-me raízes!
um dia terei raízes como que asas 


* do livro "sol sem pálpebras" (imprensa oficial, 2007)

Um comentário:

  1. Há seis anos o Rodrigo Madeira, me ensinou que os espantalhos são poetas; e a multidão que se espalha esgarçada, não é mais do que um viveiro de sonâmbulos.
    Cada verso deste poema, soa como um passo distinto, onde pés e olhos se encontram sob a grande nuvem da tempestade.
    Muito Obrigado! Meu Imenso Amigo Rodrigo Madeira Barbosa.
    t.s.

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