quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

relógio

                                           
   
      
3 ANGIOS erva lenhosa (Sida angustifolia), da fam. das malváceas, nativa do brasil, de folhas ovais ou oblongas, flores amarelas com manchas purpúreas e carpídios aristados (...)

* acepção retirada do houaiss.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ready-made (2)

                 
no maior hospital de trípoli
o relógio era a única coisa que funcionava


* frase dita por marcos uchôa, repórter da globo que cobriu os acontecimentos na líbia ("fantástico", 28/08/2011). 200 pessoas feridas foram abandonadas ali para morrer. não havia médicos ou enfermeiros no local.  

ready-made

        
1
                                                  
não sei se ouvi
direito
a porta do banheiro
entreaberta

(a tevê
falava
de um
eslavo
talvez
o mais velho
do mundo)

ouvi
o senhorzinho
da cracóvia ou sei lá
de onde
atalhar um repórter
à inevitável
pergunta
sobre
sua
longevidade

"o segredo?
continue respirando"
 

2

misao okawa, à pergunta se estava
feliz por seus 116 anos,
disse: "mais ou menos"
                                                                                    

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

minuto de sabedoria cínica (XVIII)

                                      
                      por millôr fernandes


Nos dias cotidianos
É que passam
Os anos.

*

A poesia já não rima
A música já não ressoa
As cores já não retratam
Mas o tempo ainda voa.

*

O tempo não existe. Só existe o passar do tempo.
 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

nelson rodrigues e otto lara resende

          

                  
O homem só não anda de quatro porque morre.
nelson rodrigues

O que é a arte senão essa necessidade de dizer as últimas palavras?!
otto lara resende

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

                
um relâmpago e após a noite!  aérea beldade,
e cujo olhar me fez renascer de repente,
só te verei um dia e já na eternidade?
bem longe, além, jamais provavelmente!
     
baudelaire, a uma passante

                    
     
PS – não vou te rever
                    na eternidade,
                    porque a eternidade
                    não existe.
                    a menos que apodreça
                    como qualquer fruta ou
                                    palavra* –                                           * (a palavra “primavera”
                                    espinha de peixe                                    também apodrece)
                                    se esbatendo na
                                    margem, ossada
                                    que, quase de manhã, enterra-se
                                    na floresta –,
                                    a menos que apodreça
             como qualquer
                                                          amor
                                                          ou bicho.
                                            
a palavra não é o formol
da eternidade.                                                          
a palavra, cheiro forte e quente
de vida, também anuncia
sua morte.
                                                                        
      mas quem sabe
                              te reveja
                              amanhã depois,
                              olhando
                              o pasmo da vida
                              num banco da santos andrade,
                              sentindo as árvores
                              esgalhadas crescerem,
                              os pombos ruflarem
                              no curso do sangue,
                                        
                              e eu,  
                                     à eletricidade do mesmo relâmpago
                                     através da carne,
                                     apesar de tímido, tire você
                                                                      pra dançar.

            
  * trecho final do poema "minha amada express" (pássaro ruim, 2009)
      

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

wisława szymborska

                                                                                          
    
                  
                                                        
DE UMA EXPEDIÇÃO NÃO REALIZADA AO HIMALAIA 
     
            
Ah, então este é o Himalaia.
Montanhas correndo para a lua.
O instante da largada fixado
no rasgar súbito do céu.
Deserto de nuvens perfurado.
Um golpe no nada.
Eco — uma branca mudez.
Silêncio.
                      
Yeti, lá embaixo é quarta-feira
tem abecedário, pão
dois e dois são quatro
e a neve derrete.
Tem rosa amarela,
tão formosa, tão bela.
                               
Yeti, nem só crimes
acontecem entre nós.
Yeti, nem todas as palavras
condenam à morte.
                             
Herdamos a esperança —
o dom de esquecer.
Você vai ver como damos
à luz em meio a ruínas.
                        
Yeti, temos Shakespeare lá,
Yeti, e violinos para tocar.
Yeti, ao cair da noite
acendemos a luz.
                     
Aqui — nem lua nem terra
e a lágrima congela.
Ó Yeti meiolunar
pense, volte!
             
Entre as quatro paredes da avalanche
assim eu chamava pelo Yeti
batendo os pés para me aquecer
na neve
na eterna.
              
tradução: regina przybycien
              

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

giuseppe ungaretti (II)

                                                 
ETERNO

Entre uma flor cultivada e outra oferecida
o inexprimível nada
         
tradução: rodrigo madeira  
   
         
ETERNO

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla
                                     

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

arthur rimbaud

                         
A ETERNIDADE


De novo encontrada.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que já parte
Junto ao sol da tarde.

Espírito em guarda,
Não guardes segredo
Da noite sem nada
E do dia aceso.

De sonhos e teses,
Dos banais engodos,
Que te desapegues
E voes de acordo.

Pois delas somente,
Brasas de cetim,
O Dever recende
Sem dizer: enfim.

Mais nenhuma crença,
Somente o deserto.
Ciência e paciência,
O suplício é certo.

De novo encontrada.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que já parte
Junto ao sol da tarde.

tradução: rodrigo madeira


L'ETERNITÉ

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Âme sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules, 
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise: enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avez patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi? – L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.
                               

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

                     
A eternidade é mais breve do que a vida.
                
                              FABRÍCIO CARPINEJAR
                

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

roseana

                                                 
             só os animais são eternos.
                                   jorge luis borges

                refaço estória e ritual, com licença:
                eu o sepulto também
                aqui, no torrão raso
                da página,
                sob a palavra “asa”
                       em lugar de terra.


foi ana rosa que contou. história simples de passarinho. como os passarinhos.

desceu uma tarde em seu quintal um periquito. auriverde.
não!
cárdeo-cardíaco, sob o sol das quatro. na sombra,
musgo apodrecido.
      
inquieto, ágil, como de resto as aves
                                                        diminutas, por regra. um cavalo.
     
mas ficou logo escarrado: que era dócil, doméstico de ontem, solto, fugido.
não era espanto estar próximo, não se alarmava, não voou para longe,
para o: exato.

ficou ali, na imortalidade. relapso. fato estúpido.
livre, no instante, era um não ser
                                                                                                    solitário.
como um cão.

notou (a rosa) que ele deslumbrava, transcendido de horizontes,
bem-assombrado. e ana também. deslumbrava.

mas
em contrário – mulher forte e firme, acostumada à voragem da vida –, o passarinho era um coração pequeno, nada mais. para aquela alegria, súbita e vertigem,
a musculatura frágil e
desusada.

peixe morto. 
      
                – deve ter voado o dia todo, coitado. não aguentou – ela disse.        

também me arrepio.
de já haver conhecido periquitos alucinados.

é verdade, morreu de exaustão. de inadvertido, inexperiente.
no entanto, que sou incorrigível
e desconcertado, por isso eu acho:
morreu de vida.
    
           (cavalo, cão, peixe 
            e pássaro.)

morreu
de eternidade.
         
            *** 
               
depois, e foi só, ana o enterrou com umas mãos de terra e folhas secas
no quintal da casa.

(pássaro ruim, 2009)
       

revista coyote



COYOTE 23 // 52 páginas  // R$ 5,00 (Londrina) e R$ 10,00 (outras cidades) Uma publicação da Kan Editora. Distribuição nacional Editora Iluminuras.Vendas em livrarias de todo o país pela Editora Iluminuras – fone (11) 3031-6161. Pode também ser adquirida pela internet através do site: www.iluminuras.com.br
                      

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

                                                       
Foi como se aquele menino com o rosto coberto de ranho e terra me dissesse:
– É assim mesmo, tio, matando o tempo eu consigo ser eterno.
                           

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

avulso

                                       
A eternidade era um colibri bebendo o açúcar dos relógios.
                 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

relógio de pulso

                            
tudo se deu muito rápido:
quando o sol acertou em cheio
(no pulso, na praça)
o vidro do relógio, por um átimo 
não houve horas ou segundos;
somente um fulgor branco,
como se o relógio naquele instante
marcasse a eternidade
      

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

drummond

                                                 
 


RELÓGIO DO ROSÁRIO

Era tão claro o dia, mas a treva,
do som baixando, em seu baixar me leva

pelo âmago de tudo, e no mais fundo
decifro o choro pânico do mundo,

que se entrelaça no meu próprio choro,
e compomos os dois um vasto coro.

Oh dor individual, afrodisíaco
selo gravado em plano dionisíaco,

a desdobrar-se, tal um fogo incerto,
em qualquer um mostrando o ser deserto,

dor primeira e geral, esparramada,
nutrindo-se do sal do próprio nada,

convertendo-se, turva e minuciosa,
em mil pequena dor, qual mais raivosa

prelibando o momento bom de doer,
a invocá-lo, se custa a aparecer,

dor de tudo e de todos, dor sem nome,
ativa mesmo se a memória some,

dor do rei e da roca, dor da cousa
indistinta e universa, onde repousa

tão habitual e rica de pungência
como um fruto maduro, uma vivência

dor dos bichos, oclusa nos focinhos,
nas caudas titilantes, nos arminhos,

dor do espaço e do caos e das esferas,
do tempo que há de vir, das velhas eras!

Não é pois todo amor alvo divino,
e mais aguda seta que o destino?

Não é motor de tudo e nossa única
fonte de luz, na luz de sua túnica?

O amor elide a face... Ele murmura
algo que foge, e é brisa e fala impura.

O amor não nos explica. E nada basta,
nada é de natureza assim tão casta

que não macule ou perca sua essência
ao contato furioso da existência.

Nem existir é mais que um exercício
de pesquisar de vida um vago indício,

a provar a nos mesmos que, vivendo,
estamos para doer, estamos doendo.

Mas, na dourada praça do Rosário,
foi-se, no som, a sombra. O columbário

já cinza se concentra, pó de tumbas,
já se permite azul, risco de pombas.

                                         
                CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
       
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Luiz Felipe Pondé

                                                     
MEU IRMÃO KIERKEGAARD

(...)
     Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.
    O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o “ennui” (angústia, tédio) e o “divertissement” (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano). O filósofo dinamarquês afirma que nós somos “feitos de angústia” devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.
    A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori. Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como “condenação à liberdade”, justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.
    O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.
     Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas “leis”: o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.
     Somos um nada que ama.
    A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa “verdade”, ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica. Deste “solo da existência” (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro “A Repetição”, é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.
   É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida “correta” (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando “saltamos na fé”, sem garantias de salvação. Mas existe também o “abismo do amor”.
   Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.
   Seu livro “As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos” (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.
    A ideia que abre o livro é que o amor “só se conhece pelos frutos”. Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua “visibilidade” apenas prática. Angústia e amor são “virtudes práticas” que demandam coragem. Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.
    Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como “lei da alma”), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.
    Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:
   “Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor… Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber.”
    Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.

LUIZ FELIPE PONDÉ
[Folha de S.Paulo, Ilustrada, 13 de junho de 2011]