domingo, 30 de dezembro de 2012

      


Imitons la ténacité
De cet insecte qu'on méprise

(apollinaire)

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

                         
Então, durante o Inferno, nós também, do outro lado do arame farpado, nós também olhávamos para a neve e para Deus. É assim que Deus é. Uma forma infinita e surpreendente. Bela, indolente, imóvel, sem vontade de fazer nada. Como algumas mulheres com as quais, quando éramos meninos, só ousávamos sonhar.

[fala de um judeu polonês, sobrevivente do Holocausto, no filme Aqui é o meu lugar - 2011]  

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

As rosas

   
se abrirem as pernas-primas, primas,
será primavera.
será primavera, primas,
se abrirem as pernas.

na roça do corpo a rosa, que rosa
na roça rosa do corpo que roça
róscida rosa, silêncio e cio
na roça rosa do corpo que rosna
rosas rosa roças: rocio

rosas mucosas ventosas amorosas rosas
ó rosas leitosas no leito de abril...

e se seca a roça e tudo é escarpa
onde o duro cerne
do amor já não serve macio,
onde os seixos-sexos rolam e cedem
entre pedras, perdas e pernas
por paisagens violáceas,
outra rosa, outras rosas ainda
nascem,

se abrirem as pernas, primas, aos pares,
se abrirem as pernas aos párias,
se abrirem as pernas...

e mesmo que chegue o inverno
e tudo em torno transido em inverno
se feche em fracassos, promessas, espera
e mesmo que o inverno emende com outro
que emende com outros invernos,

se abrirem as pernas, primas,
será primavera.
será primavera, primas,
se abrirem as pernas.
                                                                           

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

I - Soneto a uma mulher desiludida

                              
EDWARD HOPPER, summer interior (1909)  


   









                                                               
Se o amor bater, bater a tua porta,
abre, abre gentilmente tuas pernas.
Quem ama assim, na cama, jamais erra,
e estás desiludida mas não morta.

Se bate quem é feio, pouco importa;
recebe qual recebe uma cadela,
declara-te no rabo, dando trela,
ao dono que da lida exausto volta.

Se o amor acaba mas a vida segue,
aos homens, tão tarados, não te negues,
àqueles que inda chovem na tua horta.

Dá, dá, dá mais do que chuchu na serra:
quem ama assim, sacana, jamais erra;
aos homens que te chegam, abre a porta.


* primeiro de 6 sonetos da seção O xifópago aconselha 
(do livro de poemas putanheiros Xifópago e libertinas - inédito). 

domingo, 9 de dezembro de 2012

2 sonetilhos

       
               
nu fechando a porta
                                   
teu corpo nu
sob a torneira
de tanto orvalho
teu corpo nu

é todo feito
de abertos lábios
navegações
em manhã clara

traduz o sol
para o alfabeto
das coisas líquidas

o mar vai sempre
arrebentar
em tuas costas

(sol sem pálpebras, 2007)


*

soneto de cabeceira
                            
aberta na cama,
você de você,
cais, ais, minha carne
aberta na cama.

você, anjo no
puteiro de meu
peito-luminoso:
peitos de néon.

rostoventredorso.
na vala onde jaz
vertida, de borco,
sábado do corpo,
                               
aprendo que a morte
também nos esquece.

(pássaro ruim, 2009)                                                           

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cavala agalopada

                                              
                    E Ô,os pés turvos dos
                    Desejos de crina branca!                                               
                                                  
                                e.e. cummings (trad. mauricio cardozo)


Se eu seguir pelos pampas delicados,
na garupa, na nuca e nas virilhas;
e seguires nitrindo, os dois pelados
galopando sensíveis e sem cilha;
se empinares, cavala sob a lua,
ou saltares se chego-me a culina;
e se, quase indomável, tu recuas,
quase mansa, agarrada pela crina;
e o cavalo sou eu, ah! cavaleira,
se me montas, quilômetros de espasmos,
 galopamo-nos juntos, longe, ao léu,
à distância a que leve-nos o orgasmo:
novamente a cidade costumeira,
novamente este quarto de motel. 
                                

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

natureza-morta

      
                          (no gato preto)


teu beijo deve ter gosto
de ácido de bateria 
do licor das enzimas
e vaginas
dos dentes do silêncio
de vestido azul sobre a cama

teu beijo deve ter gosto
do horizonte bordado de barcas
de peixe que se bate no raso
e do fôlego das conchas

deve ter gosto
de margarida brotada na lua
de sangue na paleta da tarde
dos becos úmidos da cidade
da noite que aperta
                    entre as coxas

teu beijo deve ter gosto
de lábios só saliva
das flores negras das axilas
de lesma atravessando
                   o pátio

deve ter gosto
do amanhã, as raízes e hastes
de respiração boca a boca
dos corpos no escuro
de nuvens carregadas e mordaças

teu beijo deve ter gosto
das lâminas
do aceiro de âncoras
da gasolina do açúcar

do fruto nem nascido
(e de um fruto que existindo
já recende quase podre)
do gelo das gemas do fogo
dos lábios da ferida

teu beijo deve ter gosto
de língua
          

(sol sem pálpebras, 2007)

domingo, 2 de dezembro de 2012

amantes

                                               
EGON SCHIELE, os amantes (1911)


         













                                   
                                       
ama-a com ternura                  

e brutal
crápula
vampiro
com enfurecida ternura
a estupra
              o que lhe for
              passado futuro.

os teus dedos
 os cinco, os dez: o
décimo primeiro 
são a chave que abre
o corpo dela
 os cinco, os dez 

que vara a carne
da velha

pedófilo brinca
em seu sexo.


2

ou
como búfalos, pelos
vaus da carne

e eternos.


3

somente agora

a fêmea

indivisivelmente
agora

(material, em ponto de
bala, de dar
ossos ao perfume)

o espaço
entre seus seios

cospe pássaros


4

inevitável roçar
a pele de abismos?

saibam no fundo,
rasos como as mãos,
que tudo
(a cama a relva o chão)
é trapézio
e que os corpos pesam

menos que o espírito.

   
(pássaro ruim, 2009)