terça-feira, 4 de dezembro de 2012

natureza-morta

      
                          (no gato preto)


teu beijo deve ter gosto
de ácido de bateria 
do licor das enzimas
e vaginas
dos dentes do silêncio
de vestido azul sobre a cama

teu beijo deve ter gosto
do horizonte bordado de barcas
de peixe que se bate no raso
e do fôlego das conchas

deve ter gosto
de margarida brotada na lua
de sangue na paleta da tarde
dos becos úmidos da cidade
da noite que aperta
                    entre as coxas

teu beijo deve ter gosto
de lábios só saliva
das flores negras das axilas
de lesma atravessando
                   o pátio

deve ter gosto
do amanhã, as raízes e hastes
de respiração boca a boca
dos corpos no escuro
de nuvens carregadas e mordaças

teu beijo deve ter gosto
das lâminas
do aceiro de âncoras
da gasolina do açúcar

do fruto nem nascido
(e de um fruto que existindo
já recende quase podre)
do gelo das gemas do fogo
dos lábios da ferida

teu beijo deve ter gosto
de língua
          

(sol sem pálpebras, 2007)

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