terça-feira, 22 de janeiro de 2013

às moscas

                                               
                   
a avenida estava às moscas
numa cidade vazia.
nenhum carro circulava,
alma alguma vinha ou ia.

mesmo o sol estava às moscas,
quer raiasse ou se pusesse,
como uma poça de urina
que às moscas tanto apetece.

o mendigo estava às moscas
e da mosca se diria
que nervosa, pouso-e-voo,
os farrapos lhe cerzia.

mesmo o livro estava às moscas,
esquecido em prateleira,
como as frutas já passadas,
como um rio parado cheira.

e também a História às moscas,
sem desastre, troias, glória,
que, se um deus recordaria,
moscas não retêm memória.

poemas enfim às moscas,
prelibando o próprio Nada,
lambendo a palavra flor
na folha despetalada...

e as moscas cobriam não
o que morto era estragado;
elas não velavam mortes,
e sim um sono agitado:

poemas, História, livro,
mendigo, sol, avenida
despertaram já intranquilos,
moscas de fome renhida.

pois que um viscoso melaço
é como escorre-se o dia:
um nojo, um refestelar-se,
desperdícios, alegria.

porque assim se escorre a vida,
doce melaço de travos:
desprezivo que delícia,
raro e reles, fezes, favos.
                                   

3 comentários:

  1. ótimo poema, quase um retorno aos vosso estilo primevo, porém mais elaborado do que já elaborados eram.

    sempre que ouço moscas zunirem em meu quarto [geralmente solitária] sinto me em áden, na impossibilidade de suportar o cáustico sol que faz ranger nosso ocidente sifilizado pelo colonizador português.

    rp

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  2. zumbindo bem esse [e os outros, sim, mas esse zumbe mais......zzzzzzzzzzzzz

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