sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
domingo, 25 de dezembro de 2011
passionata
o amor foi feito para
a imperfeição, para o silêncio
entojado de som e fúria
e gentilezas.
o amor foi feito para errar,
dar com os burros nágua,
perder a paz
e odiar de um ódio patético
e gago.
o amor é assim: uma bomba
de delicadeza e desejo
que arrebenta nossas manias,
nossas veias mais grossas,
nossos relógios e bibelôs,
nossas fotografias antigas,
estudos, trabalho, ócio,
o passatempo mesquinho,
a conversa fiada e o futebol.
(na hora do gol,
você pensa nela e olha além,
através do alambrado, buscando
a improbabilidade
do jasmim.)
as vacas, em sua mansuetude,
não amam.
mas os homens...
“um grave acontecimento
na vida de um sujeito ordinário
naquela tarde como qualquer outra.”
o amor nos emburrece,
nos embrutece (cavalos doentes,
anjos idiotas),
como se não tivéssemos nunca
amado
e desamado, amado
e desamado.
o amor remoça
e envelhece dramaticamente.
a mulher pode dormir virgem
e acordar na menopausa.
o homem pode acordar
analfabeto
e se deitar um poeta,
esbofeteado por asas.
no meio do sono,
equidistância perfeita
entre sonho e realidade,
o homem, a mulher
trazem abaixo
com uma serra de sândalo
as árvores genealógicas.
há quem defeque estrelas,
estupidificado de infinito.
há quem não consiga,
um trapezista interior,
levantar o garfo até a boca
ou amarrar os cadarços.
quase tudo o que se viveu,
todas as lições e sobrevirtudes
esfarrapadas,
como se amadurecer
fosse a antevéspera do podre
e da semente.
o amor não se cura. fica incubado
esperando a primavera,
a próxima (sempre prima)
MENTIRA!
ah como eu minto
pra você pra mim, meu amor...
o amor
o amor
a desaprendizagem
o amor
sem o qual a vida
seria uma verdade (como a morte).
(pássaro ruim, 2009)
sábado, 24 de dezembro de 2011
paulo henriques britto (II)
marc chagall (1887-1985)
A surpresa do amor – quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove –
quando em matéria de felicidade
não se deseja mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil – eis que então, sem mais nem menos,
como quem não quer nada, surge a cura –
definitiva, radical, imensa –
do que nem parecia mais doença.
P.H. BRITTO
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
antonio cicero
CANÇÃO DO AMOR IMPOSSÍVEL
Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada a poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia?
ANTONIO CICERO
***
arrevesando essa beleza de poema, cheguei ao seguinte:
CANÇÃO DO AMOR POSSÍVEL
Como não te ganharia
se me ganhas mansamente
se em teu olhar que sorria
eu dentro de ti me via
se ao te fazeres presente
és sempre tu que me tens
e mesmo quando não vens
meu coração te pressente
se és esta minha alegria
e o meu sangrar que assobia
se te pões em meu nascente
como não te ganharia?
r.m.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
heptaphármakon
1. não se deve temer os deuses
2. não se deve temer a morte
3. o bem não é difícil de se alcançar
4. os males não são difíceis de suportar
5. a infelicidade faz parte da felicidade
6. só o humor liberta
7. haja sempre alguém que negaceie
com a flor incompreendida
* segundo o discípulo diógenes de oenoanda, os quatro primeiros elementos sintetizam o receituário filosófico de epicuro.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
jacques prévert
lasar segall, menino com lagartixas (1924)
A Lagartixa
A lagartixa do amor
Fugiu mais uma vez
Deixando-me nos dedos
Sua cauda. Bem feito:
Eu queria prendê-la
(tradução: carlos drummond de andrade)
A lagartixa do amor
Fugiu mais uma vez
E me deixou o rabo entre os dedos
Bem feito
Eu quis guardá-la para mim
(tradução: antonio cicero)
Le Lézard
Le lézard de l'amour
S'est enfui encore une fois
Et m'a laissé sa queue entre les doigts
C'est bien fait
J'avais voulu le garder pour moi
JACQUES PRÉVERT
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
três inscrições para uma noite
1.
aramos nossos corpos
hasteamos a carne
naufragamos os ossos
afiamos a pele
jardinamos os pelos
vozeamos as unhas
rasuramos os lábios
semeamos os dentes
desfazemos em tempo
os nós de cada dedo
elastecemos os
tornozelos acróbatas
abrimos as gavetas
dos olhos e cabelos.
2.
quando eu a vejo
esparramada
na cama, rama
de musgo e líquen,
de perfil – por
trás de seu ombro –,
também por dentro
de suas coxas,
desejo entrar
na eternidade,
mesmo sabendo
que a faz tão bela
exatamente
o fim das coisas.
3.
você paloma
se esbate cega
em minha pele,
luta e lençol.
lhe oferto um cravo
e nada mais.
nós morreremos?
meu endereço
é a minha carne.
mordemos drágeas
dos amanhãs
ou cianureto.
acordo, no(u)
mau hálito de amanhecer
(e foda-se o soneto), com
um soco de perfume.
(pássaro ruim, 2009)
sábado, 17 de dezembro de 2011
nu fechando a porta
teu corpo nu
sob a torneira
de tanto orvalho
teu corpo nu
é todo feito
de abertos lábios
navegações
em manhã clara
traduz o sol
para o alfabeto
das coisas líquidas
o mar vai sempre
arrebentar
em tuas costas
(sol sem pálpebras, 2007)
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
oleiro amoroso
de fazer-te estátua,
entre bruma e arpejos,
quebrei-te com gosto,
com presta destreza.
de atirar-te aos cacos
no charco, entre juras,
beijo de dois gumes,
sem dó atirei-me.
de colher os cacos
para rejuntá-los
com a lama mesma,
imunda, te amei,
com gosto e destreza,
sem dó, como nunca.
(sol sem pápebras, 2007)
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
não sei dançar #8
QUANDO APAGAR A LUZ
(rodrigo madeira)
Quando apagar a luz, meu bem
Acenda as lanternas de suas mãos
Quando abrir os olhos que não veem
Me ilumine a luz de um lampião
Me vele seu facho-rosto
E sue a cera de tanto ardor
Bem no centro de seu corpo
A fogueira queime este pecador
Quando nascer o sol, meu bem
Seja ainda noite de sono e breu
Quando acordarem os pássaros e o trem
Só olhe à frente o urgente orfeu
Escândalo em silêncio
O incenso indecente da flor
Que eu seja terra e talo
Onde floresça o seu amor
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
não sei dançar #7
ACALANTO ÀS 2:00 DA TARDE
(rodrigo madeira)
Eu ligo o meu stereo
Me mudo pra cozinha
Será que eu compro um terno
Ou flerto com a vizinha?
Vou compra a prazo
Vou pedir as contas
Vou arrumar o quarto
Vou regar as minhas plantas
E tudo isso, este nada
E muito mais...
Esta conversa
Esta canção que eu canto
Este acalanto
Para boi dormir
Esta conversa
Este acalanto
Esta canção que eu canto
Para boi dormir
Eu saio do cinema
Meu tédio é um cão mofado
Mas nada tem problema
Eu fumo outro cigarro
Eu conto as formigas
Eu vendo um canivete
Eu mijo numa esquina
Eu masco outro chiclete
E tudo isso, este nada
E muito mais...
Esta conversa
Esta canção que eu canto
Este acalanto
Para boi dormir
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
não sei dançar #6
para ouvir, clique aqui ó: http://www.myspace.com/570488999
* participação de nice monteiro (além de sabiá, ela compõe que é uma beleza...)
valeu, nice!!
A GENTE NÃO PRESTA (rodrigo madeira)
(MULHER)
Ele não vale nada
Mas no almoço gastamos seu vale
E não presta pra muito
Mas se peço me arruma emprestado
(HOMEM)
Ela vale bem pouco
Nos valemos de suas noitadas
E quem disse que presta?
Mas me empresta pro azar e o cigarro
(MULHER)
Eu não gosto dele
Ele não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz samba
Que fazer solidão é ruim
(HOMEM)
Eu não gosto dela
Ela não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz é samba
Que fazer solidão é ruim
(MULHER)
Eu não gosto dele
Ele não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz samba
Que fazer solidão é ruim
(HOMEM)
Eu não gosto dela
Ela não gosta de mim
Mas a gente dá samba
Mas a gente faz é samba
Que fazer solidão é ruim
(MULHER)
Ele não me completa
Mas completa o tanque do carro
Ele não me faz falta
Mas faz falta seu corpo enroscado
(HOMEM)
Ela não me faz falta
Mas faz falta seu corpo em meu corpo
Ela não me completa
Mas completa meu copo no Torto
REFRÃO
domingo, 4 de dezembro de 2011
dr. calcanha (in memoriam)
talvez os pré-socráticos
já soubessem,
mas ninguém fez
tão pouco tão bem
quanto ele.
parecia tão simples.
nisto consistiu sua Poética:
transfigurar em arco e seta
o calcanhar-de-aquiles.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
não sei dançar #5
VAI CHOVER SALIVA
(rodrigo madeira/ william carlos williams)
Venha me tocar em si
Menor
Venha me gastar, dália, doida, diva
Vamos penhorar este velho sol
Que hoje, meu amor, vai chover
Saliva
Hoje, meu amor, vai chover saliva
Vai chover saliva
Como é da natureza das roseiras bravas
Rasgar a carne
Tenho avançado pelo meio delas
Fique longe das sarças, das garças, dos espinhos
Fique longe das sarças, dizem-nos (mas)
Não se pode viver e viver longe delas
Não se pode viver e viver longe delas*
Venha me tocar em si
Menor
Venha me gastar, dália, doida, diva
Vamos penhorar este velho sol
Que hoje, meu amor, vai chover
Saliva
Hoje, meu amor, vai chover saliva
Como é da natureza das roseiras bravas
Rasgar a carne
Tenho avançado pelo meio delas
Fique longe das sarças, das garças, dos espinhos
Fique longe das sarças, dizem-nos (mas)
Não se pode viver e viver longe delas
Não se pode viver e viver longe delas
Por isso eu canto, por isso eu calo
Por isso eu surjo, por isso eu parto
Por isso eu sangro, por isso eu saro
Por isso eu morro, por isso eu mato
E por isso a flor e por isso o cardo
E por isso o espinho e por isso o nardo
E por isso o blues e por isso o fado
Por isso eu canto, por isso eu calo
Etc
* Como é da natureza das roseiras bravas/ rasgar a carne,/ tenho avançado/ pelo meio delas./ Fique longe/ das sarças,/ dizem-nos./ Não se pode viver/ e ficar longe das sarças. (A COROA DE HERA, william carlos williams, trad. josé paulo paes.)
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
estudo mineral para um joia
sabrina, amadeo modigliani
carbono elíptico.
único.
puríssimo (a sujeira toda da vida).
modo artificial de fabricação:
a) carvão
b) brasa
c) cinzas
d) o cheiro feroz nas roupas
* a última clivagem é restar,
do cheiro feroz,
uma lembrança
2.
in natura
in natura
a gema
(anterior às 58
facetas) não veio
das minas negras de angola
nem arfou nas mãos
de lapidários belgas.
não foi desentocada
meticulosamente das
entranhas da terra;
por cuspe de gêiser mais
que fundo de cava,
da entranha das entranhas
prorrompeu:
3.
verruga de
diamante, rastro de lesma,
pingente: lágrima quase invisível
no pescoço infinito
da mulher
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
solidão
despedaçados, atropelados
cachorros mortos nas ruas
policiais vigiando
o sol batendo nas frutas
sangrando, ó meu amor
a solidão vai me matar de dor
* esta canção, na verdade, é um bolerão pop composto por gilberto gil e letrado por caetano veloso. do disco tropicália (1968).
na vida quem perde o telhado
em troca recebe as estrelas
pra queimar até se afogar
e de soluço em soluço esperar
o sol que sobe na cama
e acende o lençol
só lhe chamando, solicitando
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
a menina atravessa a rua
eu te fecundaria com um simples pensamento de amor,
ai de mim!
mas ficarás com teu destino.
vinicius de moraes
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno:
esta árvore sem asas, de pedra
faz nas pernas dela
seu ninho de carne indormida.
mas ela não me sabe.
é como se o sol
que súbito nascera em seu lábios
se pusesse agora em suas coxas.
como se a paisagem do fim de tarde
que no jogo teso
de tentativa e erro
antes de concluída a noite chegasse
ao lume preto de seus cabelos,
chegasse
também ao susto de seus peitos.
a menina atravessa a rua
como quem caminha para dentro
de sua própria nudez.
ela
pistilo de flor que deflora
mal-me-quer
arroxeado amor-perfeito
no fundo do peito
no canto da razão
no canteiro de pelos.
ela
a grife sem roupas
o arabesco
a tatuagem no osso
uma espécie de murro
outra mordida
na maçã mordida.
ela,
com botas sete-léguas
atravessando a vida,
não sabe que me atravessa.
(tal o ônibus em que se vai dentro
e atravessa a noite?
tal a rua à noite que atravessa
a cidade em que se perde?)
ela passa, pássaro líquido,
e transborda ao que vejo,
sozinha no coração de tudo quanto vejo,
ela passa...
e se eu –
do alento certo na tristeza,
do chão firme às quimeras –
lhe dissesse como maiakóvski:
deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa?
mas nunca ouvirá
o que não lhe digo.
ela passa,
entre carros e gente,
ela passa, pássaro líquido,
contemporânea
de si mesma.
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno
(no letreiro néon que já se acende
na avenida):
sua pressa, feito uma onda
de impacto,
faz da boca da noite
(solar como a urina)
esta ante-
aurora
(sol sem pálpebras, 2007)
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
aulas de solidão (11)
Allegria di naufragi: o título é irônico. O tempo é perseguido em seu perpétuo naufrágio renovado. E neste perpétuo naufrágio, há um momento, o momento em que a poesia chega a expressar-se, que é um momento de alegria.
GIUSEPPE UNGARETTI
sábado, 19 de novembro de 2011
aulas de solidão (10)
A poesia não salva. E quem diabos quer ser salvo? Este sol de artifício me ilumina por um dia.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
aulas de solidão (9)
O risco da víbora entre os dedos para extrair-lhe o soro antiofídico. O risco.
A dor de inocular, nas éguas do sangue, o veneno do verbo, um certo tremor. A dor.
A alegria de quem salva - quando salva... e apenas a si mesmo - com belezas fugidias. A alegria.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
radiohead/regina spektor
SEM SURPRESAS
Um coração transbordante como
Um aterro sanitário
Um emprego que aos poucos te mata
Contusões que não saram
Você parece tão infeliz, cansado
Abaixo o governo
Eles não, eles não falam em nosso nome
Vou levar uma vida de franciscano
Um aperto de mão do monóxido de carbono
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Silencioso, silencioso
Este é meu último surto
Minha última dor de barriga
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor
Que casa mais bonita
Que bonito jardim
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor
treason: rodrigo madeira
NO SURPRISES
(radiohead)
A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent
This is my final fit
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent
This is my final fit
My final bellyache with
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please
Such a pretty house
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please
Such a pretty house
Such a pretty garden
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
notícia de bogotá
alejandro obregón (estudo para violência)
ELE
Ele ganhou todas as batalhas.
Sua peleja foi corpo a corpo
com armaduras e sem elas.
Se armou com flechas
pôde criar espadas
fez alianças com o veneno
conseguiu esculpir o fogo
despiu a alma dos químicos
soube afiar as palavras
e brandir os livros.
Ele morreu tantas vezes
e foi vencedor muitas mais,
lutou tanto e chega tão cansado.
Ele ganhou todas as batalhas
menos uma,
menos uma com cara de mulher.
LUZ HELENA CORDERO
tradução: rodrigo madeira
ÉL
Él ganó todas las batallas.
Su pelea fue cuerpo a cuerpo
con armaduras y sin ellas.
Se armó con flechas
pudo crear espadas
hizo alianzas con el veneno
logró esculpir el fuego
desnudó el alma de los químicos
supo afilar las palabras
y blandir los libros.
Él murió tantas vezes
y fue vencedor muchas más,
peleó tanto y viene tan cansado.
Él ganó todas las batallas
menos una,
menos una con cara de mujer.
aulas de solidão (8)
Parafraseando Alejandra Pizarnik, posso dizer que, "entre outras coisas, escrevo para que aquilo que temo não aconteça", mas também escrevo para que o que acontece não me destrua.
LUZ HELENA CORDERO
(Bucaramanga, 1961 - )
domingo, 6 de novembro de 2011
notícia de cartagena II
EULÁLIA
Sou a Eulália mas me chamavam Rosa a bruxa,
Fazia magia,
Ajudava a conquistar com uma vela rosa
E a recuperar o amor com o feitiço da madeira
Ou com a bruxaria da lua,
Aumentava a paixão com o segredo marinho das
conchas
Que misturava no caldeirão de minhas feitiçarias,
Prevenia a saudade
Com pérolas de éter e pó de estrela
E usava o alho macho contra os espíritos maus e
contra a
Infidelidade;
Utilizava a loção de fruta verde para o dinheiro,
A amarela para o ouro
E a transparente para o sexo;
Livrava da má sorte
Com rosas fervidas e carbono de lenha vermelha
Misturando tudo com água pura de lírios.
Em meu consultório de lua elevava os ânimos,
Afastava as dúvidas e as trapaças,
Adivinhava o futuro, o presente e o passado
E deixava as pessoas felizes com meus bons presságios,
Com meu gato ruim chamado Sam
Passeávamos todas as noites na moto vermelha de
minha risada
Jogando frascos contra as paredes
Para assustar os insones e fazer propaganda de meu
negócio.
Desde que me disseram que as bruxas não existem,
Vendo bíblias.
FEDERICO CÓNDOR
(do livro Feitos para uma vida anormal)
tradução: rodrigo madeira e lu cañete
EULALIA
Soy Eulalia pero me llamaban Rosa la bruja,
Hacía magia,
Ayudaba a conquistar con una vela rosa
Y a recuperar el amor con el hechizo de la madera
O con el embrujo de la luna,
Aumentaba la pasión con los secretos marinos de los
caracoles
Que batía en la marmita de mis embrujos,
Evitaba la nostalgia
Con perlas de éter y polvo de estrella
Y usaba el ajo macho contra los malos espíritos y
contra la
Infidelidad;
Utilizaba la loción de fruta verde para el dinero,
La amarilla para el oro
Y la transparente para el sexo;
Hacía limpias contra la mala suerte
Con rosas hervidas y carbón de leña roja
Mezclándolo todo con agua pura de lirios.
En mi consultorio de luna levantaba los ánimos,
Alejaba las dudas y las malas patrañas,
Adivinaba el futuro, persente y pasado
Y hacía feliz a la gente con mis buenos presagios,
Con mi gato malo que se llamaba Sam
Paseábamos todas las noches en la moto colorada de
mi risa
Tirando tarros contra las paredes
Para asustar a los desvelados y hacerle propaganda al
negocio.
Desde que me dijeron que las brujas no existen,
Vendo biblias.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
notícia de cartagena de indias
oswaldo guayasamín
LEPROSO
Todos temos algo de leproso,
Desprende-se a pele de nossas lembranças,
Perdemos a cabeça ou a flor das desculpas,
A dor da ausência nos desfolha,
Morremos de vergonha.
Esquecemos, sei que todos esquecemos,
Que nossa história fica truncada,
Que deixamos os sonhos e as saudades
Grudadas à gaze dos dias.
Todos vamos nos desintegrando,
Deixamos nos lençóis ou na roupa alheia
Uma carícia, uma lágrima,
Um poema, uma canção,
As palavras de amor, as mentiras,
E quando as bocas se unem
Deixamos o mel do abraço
Espalhado no pão de outra língua.
Todos temos algo de leproso,
Mas não nos dão moedas
Nem nos enviam a um lugar comum para nos fazermos
companhia;
Não causamos pena,
Explodimos de alegria
Ou nos contorcemos de dor,
Nossas chagas não são iguais,
O que as cura é o algodão da lua.
FEDERICO CÓNDOR (Bogotá, 1959 - )
tradução: rodrigo madeira e lu cañete
LEPROSO
Todos tenemos algo de leproso,
Se nos desgaja la piel de los recuerdos,
Perdemos la cabeza o la flor de las disculpas,
El dolor de la ausencia nos deshoja,
Se nos cae la cara de vergüenza.
Olvidamos, sé que todos olvidamos,
Que nuestra historia se queda trunca,
Que dejamos los sueños y las nostalgias
Pegados a la gasa de los días.
Todos nos vamos desintegrando,
Dejamos en las sábanas o en la ropa ajena
Una caricia, una lágrima,
Un poema, una canción,
Las palabras de amor, las mentiras,
Y cuando las bocas se unen
Dejamos la miel del abrazo
Esparcida en el pan de otra lengua.
Todos tenemos algo de leproso,
Pero a nosotros no nos dan monedas
Ni nos destinan a un lugar común para hacernos
compañía;
No damos lástima,
Estallamos de alegría
O nos desgarramos de dolor,
Nuestras llagas no son iguales,
Nos las cura el algodón de la luna.
LEPROSO
Todos temos algo de leproso,
Desprende-se a pele de nossas lembranças,
Perdemos a cabeça ou a flor das desculpas,
A dor da ausência nos desfolha,
Morremos de vergonha.
Esquecemos, sei que todos esquecemos,
Que nossa história fica truncada,
Que deixamos os sonhos e as saudades
Grudadas à gaze dos dias.
Todos vamos nos desintegrando,
Deixamos nos lençóis ou na roupa alheia
Uma carícia, uma lágrima,
Um poema, uma canção,
As palavras de amor, as mentiras,
E quando as bocas se unem
Deixamos o mel do abraço
Espalhado no pão de outra língua.
Todos temos algo de leproso,
Mas não nos dão moedas
Nem nos enviam a um lugar comum para nos fazermos
companhia;
Não causamos pena,
Explodimos de alegria
Ou nos contorcemos de dor,
Nossas chagas não são iguais,
O que as cura é o algodão da lua.
FEDERICO CÓNDOR (Bogotá, 1959 - )
tradução: rodrigo madeira e lu cañete
LEPROSO
Todos tenemos algo de leproso,
Se nos desgaja la piel de los recuerdos,
Perdemos la cabeza o la flor de las disculpas,
El dolor de la ausencia nos deshoja,
Se nos cae la cara de vergüenza.
Olvidamos, sé que todos olvidamos,
Que nuestra historia se queda trunca,
Que dejamos los sueños y las nostalgias
Pegados a la gasa de los días.
Todos nos vamos desintegrando,
Dejamos en las sábanas o en la ropa ajena
Una caricia, una lágrima,
Un poema, una canción,
Las palabras de amor, las mentiras,
Y cuando las bocas se unen
Dejamos la miel del abrazo
Esparcida en el pan de otra lengua.
Todos tenemos algo de leproso,
Pero a nosotros no nos dan monedas
Ni nos destinan a un lugar común para hacernos
compañía;
No damos lástima,
Estallamos de alegría
O nos desgarramos de dolor,
Nuestras llagas no son iguales,
Nos las cura el algodón de la luna.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
aulas de solidão (7)
A poesia é a virtude do inútil.
RABELAIS (ou melhor, MANUEL DE BARROS mentindo)
domingo, 30 de outubro de 2011
debaixo do sol
escolhe, pois, a vida
deuteronômio 40,19
Como condensar esta luz e jogá-la sobre a pele da página? Como transplantar mil árvores e fazer um bosque num deserto de sal? Como porejar este orvalho que a grama suou na febre verde da madrugada? E como, nas entranhas que partilhamos eu e o domingo, vestir com meu corpo nu a mulher deitada na memória? Como? Como filtrar este azul boquiaberto e banguela e derramá-lo na retina de um cego? E as línguas da luz falando calor e carícia? E o perfume quase venenoso da pitangueira? Como traduzir um cão dormindo? Como reivindicar a autoria da aurora? Como reduzir o horizonte irredutível e com a esferográfica recriar a máquina atordoada de um inseto? Como concorrer todas as palavras para o acidente fabuloso de uma manhã (que amanhã reinventa)? Como me traduzir, contemplativo, agudamente sólido mas dissolvido, esta aventura diária, epopeia de uma página? Como?
Não dá, simplesmente. Talvez fosse melhor que soubesses: amassa esta folha, depõe a caneta e vive.
Não podemos traduzir o dia, a vida. O dia é intraduzível. A vida é intraduzível. Mas a poesia tem o tamanho da vida.
Deixa ao menos que o poema te devolva ao mundo, com teus cinco sentidos e as mãos enormes.
(pássaro ruim, 2009)
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
fauno
pablo picasso (cabeça de fauno)
Há um nódulo na quinta-feira. Dizer adeus faz caírem meus cabelos. A verdade é uma lâmpada falha num quarto cheio de moscas, mas a esperança, sobre as águas da febre, tem a pertinácia da cortiça. O tédio é a pior forma de tristeza.
Eis que algo no sol fratura o que somos sob o sol. O dia mija luz nas coisas e fere e fede e ilumina um jardim de absurdos: borboletas com caules, gerânios asmáticos, orquídeas menstruadas, margaridas que suam, lírios que sangram, girassóis cujas corolas são ânus. O sol brilha também sob minha pele.
O ronco dos carros é quase uma fuga de bach. Beatífico, anuncia a metástase de um silêncio. Quando o pôr-do-sol vazar feito um vagaroso sangramento de nariz, haverá um segundo para nos olharmos, e no aço dos ossos florescerão pátinas e tétano, e na medula correrá a seiva elétrica das plantas que não existem.
Com um estetoscópio de marfim, ausculto a parada cardíaca das pedras. Meço a pressão arterial e a solidão da chuva.
Entardeceu. Deito-me sobre as pastagens tauríferas, verde como o escolar de van gogh. Deixo o vento definir meu nome. Se me levanto, é meio-dia: há uma praia caminhada de ninfas que tatuam o sol sobre a pele. (Elas sorriem como o mar, puxando, puxando...)
À noite, quando se morre mais de uma vez, a alma (esta ficção) faz guarida como um abajur no escuro. Todas as chaves perderam seus dentes, e não importa. Significar algo é brutal como empalhar uma criança.
Estou alegre como quem anda descalço. Estou alegre como quem sobe o telhado. Ouço o sermão das nuvens. Ou me sento à mesa, corto um pedaço do peixe e já não digo nada, a boca cheia de silêncios: quais frutos velhos, as palavras estão abertas sobre a terra. Jogo longe minha flauta. Maré, por exemplo, cognoscível apenas pelo cheiro. As árvores, por meio do voo das aves, conversam entre si na distância imensa.
Respirar é minha única religião.
Respirar é minha única religião.
(pássaro ruim, 2009)
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