* entrevista concedida por email a Mariana Sanches ("Cândido").
Você é de Foz de Iguaçu, mas vive há muitos anos em Curitiba. De que modo a cidade está presente no seu imaginário poético?
Vim para Curitiba aos 12 anos. Há bastante tempo. Já estou habituado à cidade, o que não me livra do sentimento de exílio que, pelo que ouço, é comum mesmo entre os curitibanos natos. Mas é aquela história: a partir de um determinado ponto, a cidade onde você mora passa a morar em você. As ruas de Curitiba, parodiando Borges, já fazem parte das minhas entranhas. E isso contaminou minha poesia, principalmente aquela do “pássaro ruim”.
Seu poema “uma ode” (“pássaro ruim”) diz que “Curitiba é uma cidade que pensa ser Curitiba”. Depois, você lança a provocação: “quero que me provem, existe Curitiba?”. Você já descobriu se existe ou ainda está buscando?
Eu me vali daquela frase do Cocteau: "Victor Hugo é alguém que pensa ser Victor Hugo". Coube perfeitamente. Curitiba é orgulhosa – às vezes até arrogante – e ao mesmo tempo vive uma permanente crise de identidade. Além disso, amar esta cidade (como amo) é também criticá-la ou esnobá-la. Por isso, no mesmo poema, escrevi uma piada que costumava fazer entre amigos: "o melhor de Curitiba é Santa Catarina". Há basicamente dois tipos de curitibanos: o babaca, que acredita viver numa cidade de primeiro mundo, e o injusto, que fala da cidade como se falasse de uma maquete em tamanho real, de um lugar medíocre e maquiado, com problemas sociais dignos da África subsaariana. Ambos os tipos amamos esta cidade, ambos amamos nossa "Curitíbia”.
Seja na forma ou no tema, é possível dizer que existe uma marca, um traço particular na literatura feita aqui?
Vou falar da poesia apenas, porque conheço um pouco mais. Do ponto de vista formal, existem estilos para todos os gostos: da poesia mais artesanal e crítica, fortemente influenciada pela segunda onda do modernismo no Brasil, ao resgate de versos classicizantes, passando pela poesia marginal e pelo haicai abrasileirado. A tendência, na verdade, é a liberdade pós-vanguardas, a liberdade de transitarmos por diferentes estilos sem compromissos de fidelidade a este ou àquele (a não ser à sua própria voz). Além disso, noto em geral nos poetas daqui uma visão meio melancólica e sarcástica do mundo, uma jeitão mais itabirano do que propriamente leminskiano: “este orgulho, esta cabeça baixa...”
Com relação ao tema, há muita diversidade, é claro, mas percebo em muitos poetas a preocupação com a cidade, com os problemas urbanos. Curitiba mudou muito nos últimos 15 anos, para o bem e para o mal. Tornou-se mais diversa e cosmopolita, e ao mesmo tempo mais injusta e muito mais violenta, principalmente por conta da epidemia do crack e do descaso com a região metropolitana da cidade. Curitiba já deixou de ser uma província, mas o curitibano típico talvez nunca deixe de ser um perplexo provinciano.