sexta-feira, 9 de setembro de 2011

bichos (lygia clark)






Um comentário:

  1. (...)
    "Os 'Bichos' não eram bichos. Lygia assim os denominou, possivelmente, como no caso dos 'casulos', para expressar aquela reativação da superfície vazia e, sobretudo, no que se refere especificamente a eles, os 'Bichos', duas propriedades novas: eles tinham uma 'espinha dorsal' e mobilidade. E, além do mais, porque eles eram uma coisa sem nome. Não eram pintura e não eram escultura. Escapavam a toda classificação conhecida.
    (...)
    "Assim os casulos deslizam para o chão para se livrarem da visão frontal a que estão submissos os quadros. Sim, mas ainda aqui, no chão, se o espectador pode andar em volta da obra, apreendê-la mais amplamente, resta ainda um lado inacessível a ele: o que está voltado para o chão. Mas o não-objeto não quer ter avesso, portanto ele não pode ter uma base como a escultura tem. Ele não é uma escultura. Ele é o anti-quadro, a destruição do suporte material (...); ele é uma redescoberta do espaço real em consequência da destruição do espaço virtual. Por isso, os 'Bichos' não têm uma posição privilegiada, única, em que devem ser colocados. Não têm o lado de cima, o lado de baixo, o lado direito, o lado esquerdo, já que podem ser postos em qualquer posição. E além disso, não têm uma forma fixa, permanente: as suas placas, interligadas por dobradiças, movem-se e o 'Bicho' se transforma pela ação manual do observador.
    "Essa mobilidade subverte a relação espectador/obra de arte. O espectador já não merece esse nome porque ele agora não apenas vê a obra; ele age sobre ela: a sua ação a transforma, a completa, a desvela. O 'Bicho' está diante de ti; ele é uma oferta e uma solicitação, uma instigação. Ele se oferece ao teu olhar mas, ao mesmo tempo, não se entrega inteiramente a ele: exige a tua ação, a tua participação efetiva para se mostrar, se completar.
    "O 'Bicho' é um ser novo no universo da arte. (...)"

    FERREIRA GULLAR, "Relâmpagos".
    (Dentre todos os artistas e obras comentadas neste livro, só os "Bichos" não contam com qualquer reprodução fotográfica.)

    ***

    de modo que faço um mea-culpa em forma de

    POEMA-NOTA:

    não conheço os "bichos". nunca
    experimentei estas obras - que para serem
    vistas é preciso mais do que olhos.
    não conheço os "bichos". sei que suas
    reproduções em fotos
    são menos que taxidermia, menos
    que bichos embalsamados com fólios:

    falta-lhes (falto-lhes meu corpo) a Vida,
    a inquietude deles e minha,
    de bicho; falta-lhes mais nas fotografias:
    falta-lhes a própria respiração de ser
    mais que qualquer razão de ser ou ter sido.

    mesmo assim, inorgânicas, são belas
    as sombras - de algum jeito
    nas retinas o frio metal acende um braseiro;
    são belas as sombras - trazem algo do bicho,
    da fruta, da flor cabralina, algo difícil
    como origamis de algum ferrageiro.

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