quinta-feira, 29 de março de 2012

parêntese (p. seus 319 aninhos)

                                                        
* entrevista concedida por email a Mariana Sanches ("Cândido"). 
       
                
Você é de Foz de Iguaçu, mas vive há muitos anos em Curitiba. De que modo a cidade está presente no seu imaginário poético?
        
Vim para Curitiba aos 12 anos. Há bastante tempo. Já estou habituado à cidade, o que não me livra do sentimento de exílio que, pelo que ouço, é comum mesmo entre os curitibanos natos. Mas é aquela história: a partir de um determinado ponto, a cidade onde você mora passa a morar em você. As ruas de Curitiba, parodiando Borges, já fazem parte das minhas entranhas. E isso contaminou minha poesia, principalmente aquela do “pássaro ruim”.
          
Seu poema “uma ode” (“pássaro ruim”) diz que “Curitiba é uma cidade que pensa ser Curitiba”. Depois, você lança a provocação: “quero que me provem, existe Curitiba?”. Você já descobriu se existe ou ainda está buscando?  
         
Eu me vali daquela frase do Cocteau: "Victor Hugo é alguém que pensa ser Victor Hugo". Coube perfeitamente. Curitiba é orgulhosa – às vezes até arrogante – e ao mesmo tempo vive uma permanente crise de identidade. Além disso, amar esta cidade (como amo) é também criticá-la ou esnobá-la. Por isso, no mesmo poema, escrevi uma piada que costumava fazer entre amigos: "o melhor de Curitiba é Santa Catarina". Há basicamente dois tipos de curitibanos: o babaca, que acredita viver numa cidade de primeiro mundo, e o injusto, que fala da cidade como se falasse de uma maquete em tamanho real, de um lugar medíocre e maquiado, com problemas sociais dignos da África subsaariana. Ambos os tipos amamos esta cidade, ambos amamos nossa "Curitíbia”.
                         
Seja na forma ou no tema, é possível dizer que existe uma marca, um traço particular na literatura feita aqui?
         
Vou falar da poesia apenas, porque conheço um pouco mais. Do ponto de vista formal, existem estilos para todos os gostos: da poesia mais artesanal e crítica, fortemente influenciada pela segunda onda do modernismo no Brasil, ao resgate de versos classicizantes, passando pela poesia marginal e pelo haicai abrasileirado. A tendência, na verdade, é a liberdade pós-vanguardas, a liberdade de transitarmos por diferentes estilos sem compromissos de fidelidade a este ou àquele (a não ser à sua própria voz). Além disso, noto em geral nos poetas daqui uma visão meio melancólica e sarcástica do mundo, uma jeitão mais itabirano do que propriamente leminskiano: “este orgulho, esta cabeça baixa...” 
Com relação ao tema, há muita diversidade, é claro, mas percebo em muitos poetas a preocupação com a cidade, com os problemas urbanos. Curitiba mudou muito nos últimos 15 anos, para o bem e para o mal. Tornou-se mais diversa e cosmopolita, e ao mesmo tempo mais injusta e muito mais violenta, principalmente por conta da epidemia do crack e do descaso com a região metropolitana da cidade. Curitiba já deixou de ser uma província, mas o curitibano típico talvez nunca deixe de ser um perplexo provinciano. 
           
* nos comentários, o resto da entrevista. 

3 comentários:

  1. - Você tem dois livros editados, ambos por editoras locais. Acha que estar fora do eixo Rio-SP dificulta que sua poesia chegue a mais pessoas?

    Sim, com certeza. Não é fácil para ninguém, nem para quem vive no tal eixo. O problema maior é a distribuição. Se você não for publicado por alguma editora de grande ou médio porte, provavelmente vai ter de bater de porta em porta para distribuir seu livro. O próprio livreiro às vezes trata o poeta com certo descaso e má vontade. Escrever um livro de poemas não é fácil, mas publicá-lo é mais difícil que escrevê-lo, e bem mais difícil que publicá-lo é distribuí-lo. Por fim, ainda mais difícil que distribuí-lo é ser lido. O importante, como dizemos, é não se render aos paraguaios, é resistir à ética do ressentido e tocar adiante. Se a poesia não me salvasse, a literatura me condenaria (entenda-se literatura por carreira literária). Nem sempre é fácil manter a calma e o desprendimento, porque o poeta, como qualquer outro artista, deseja ser notado e acolhido. Mas a gente não tem escolha, não é? Escrever poesia pra mim não é uma escolha. É um prazer e uma angústia. Seria não só inviável, mas também desonesto, vincular a poesia a uma carreira ou a um pragmático projeto de vida.

    - Há muitos poetas e escritores vivendo e produzindo na cidade. Você se sente parte de um grupo ou movimento literário, sente que seu trabalho se relaciona com o de outros autores curitibanos?

    Sinto que, em geral, existe alguma competição e bastante solidariedade. Mas os poetas não se reúnem em torno de alguma proposta específica ou objetivo comum, a não ser o de partilhar seus poemas. Todos sofremos da mesma cisma, da mesma teimosia. No fim, respiramos todos na mesma frequência. Não há como não nos aproximarmos de alguma forma, até porque às vezes os únicos leitores que nos restam são os próprios poetas. Mas posso assegurar que existem em Curitiba vários autores jovens de muita qualidade. Poetas e prosadores. Além disso, há algumas iniciativas louváveis pela cidade. Lembro-me de duas: o projeto “Café, Leite Quente e Poesia”, no Paço da Liberdade, do qual eu, Beto Prado, Lu Cañete, Leprevost, Ivan Justen, o Pozzo, o Sandmann, o França, Marília Kubota, Jussara Salazar, Edson Falcão, Bárbara Lia, Rodolfo Jaruga e tantos outros já participamos. Além do Paço, o Porão Loquax, projeto de recitais idealizado pelo também poeta Mário Domingues, e que, rebatizado e sob a direção do Ricardo Pozzo e do Ivan Justen, segue reunindo e prestigiando nossos poetas.

    - Fale sobre sua participação no coletivo Po&teias. O site do grupo afirma que se apoia em uma teoria literária defendida pela professora Glória Kirinus. Como é isso?

    Não faço parte do grupo “Pó e Teias”, mas já participei, a convite, tanto do blog quanto de duas publicações impressas. Não vejo no grupo muitas coisas em comum, senão a vontade comum de escrever. É um espaço legítimo e plural, que dá uma força danada para autores que, antes da internet, estavam totalmente marginalizados. Tenho, entre os membros do grupo, grandes amigos e artistas que admiro. Mas não faço parte... Com relação à teoria da Glória Kirinus, não sei direito do que se trata. Acredito que foi muito mais uma homenagem do que um fio condutor estético e programático.

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  2. Parabéns pela publicação da entrevista. Obrigada pela citação. Nunca escrevi nem um poema para Curitiba, apenas para o bairro do Uberaba. Mas me considero curitibana (meus melhores amigos são curitibanos) e acho que para conhecer Curitiba é preciso odiá-la bastante para só depois amá-la (mala) secretamente, ficando trancado em casa, como todo bom nativo.

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  3. é isso aí, marília. na verdade, não foi publicada uma entrevista. só um pequeno trecho da minha fala foi usado. a mariana sanches fez uma matéria para o "jornal cândido" - bem bacana, por sinal - sobre a produção literária em ctba
    (http://issuu.com/bibliotecapr/docs/candido8).

    decidi postá-la aqui na íntegra por ocasião do aniversário da cidade.

    beijo.

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