VINCENT VAN GOGH, noite estrelada (1889)
noite extraordinária
(mesmo em reprodução barata
na parede do quarto).
o céu que existe
para naufragarmos
e nos afogar;
corrente de (m)ar,
massa de água e óleo
e nuvem
que a qualquer momento,
há mais de um século,
vomitará peixes, homens
e gaivotas.
(eu vi o quadro em amsterdã
e vazava água
da moldura.)
2.
a cor: c'est une vraie force
de la nature,
contra o desespero contido,
em voz baixa,
dos aquários e costumes;
leviatã, bicho
das profundezas
respirando.
olhá-lo é o drama
de todo afogado,
luta vital entre afundar
e vir à tona.
é preciso pulmão encharcado
e apneia,
é preciso flutuação
e peso.
[um céu que é um outro céu que é o mesmo]
por alguns instantes, é pânico, asfixiante,
somos alérgicos
ao oxigênio.
3.
o cipreste, embora comovido
de vento, brilha opaco como a lâmina
de um coral irredento,
quase nos rasga as mãos
e vaza nossos olhos.
a lua e as estrelas (fulgurações
de trigo cósmico)
são despojos
de afogamentos;
e no entanto
menos se morre
que se enlouquece
desse caldo metafísico
(a alma das coisas,
a alma do pintor das coisas),
menos se morre
que se renasce
desse surto cromático.
4.
no fundo de tudo,
de toda beleza indizível,
uma igreja submarina onde
Deus,
através de vitrais,
talvez assista
ao fim do mundo
– e é apenas mais
um começo de noite.
5.
e no fundo do quadro (do quarto),
um vilarejo
para onde voltou
(e voltará sempre)
van gogh
(uma vez mais redimido).
ao passo que nos lares,
alheios a tudo, alheios
à lama azul do dilúvio,
ao apocalipse
e ao recomeço,
vivem os homens daquele tempo:
noite qualquer.
(pássaro ruim, 2009)
Bonito demais, tambem penso na retina de um bebado e no olhar intermediado por lagrimas de angustia ou extase diante da obra, beijim esquimo
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