segunda-feira, 30 de maio de 2011

ademar moletta

                                         
                              incompetente para as lágrimas,
                              choro tinta


tua última imagem foi cor de púrpura,
ouvi dizer,
a aurora
no instante mais terrível.
nunca compreendemos o fim
das coisas.

o bom coração funcionava mal – é tudo.
imagino, em disparate, o músculo
parado, pairando (impossível!)
para observar estrelas extintas,
              a vida:
égua xucra, mal resolvida,
que passa sem cilha, sensível,
sem saber de onde a quê.

nem sei o que dizer!
escrevo no fervor do sangue,
no de repente das notícias trágicas,
como a morte que mata
sem cortes marciais, sem trombetas,
sem tiros de escopeta,
tribunais de apelação, revisões ortográficas,
sem ouvidos
para nosso grito na calada.

atuamos em campos diversos:
o mafioso (como me chamavas e já não te lembras)
e a autoridade.
mas estávamos encharcados da mesma
falta de deus, da mesma fé.
apanhei, odiei sem excetos tua raça
até despir-te o riso,
sem farda, nu de escárnio...
e xingávamos o juiz no brasil-argentina e
entre sussurros apertamos as mãos.

ao ver-te chorar,
pensei na montanha
onde o desespero acha um berço,
ou num escolho debruçado
sobre si mesmo
para aninhar um peixe que adoeceu.

a chuva lá fora tem gosto de ureia.
algo deu errado
e não se arrepende.

olhar teu corpo inerte
me revolta:
onde estão os olhos que brilhavam à noite
sob as pálpebras?
onde tua boina de lã, último presente
da mulher amada?
esta grande árvore tombada
apenas finge ser tua ausência.
o que fazer agora?
me ensina, coronel!

serás, talvez,
o último a quem bato continência


* da série poemas psiquiátricos ("sol sem pálpebras", 2007)

3 comentários:

  1. pois é, meu caro osvaldo, o azerbaijão também.

    ResponderExcluir
  2. Madeira, sabes da minha paixão por este poema, já o disse algumas vezes. Incontinente, continência. Fecho contigo! Abç

    ResponderExcluir