quinta-feira, 2 de junho de 2011

bilhete

             
escrevi um verso
um poema
um livro

e daí?

se a esquadria do que escrevo
não me segura
o esqueleto de água

se vou morrer
se vais morrer
se vai morrer a língua
em que escrevo
se vai morrer o país
que fala minha língua
e todas as linguas de todos
os países que falam

por que esta teimosia
em escrever?

por que não deixar
o passado fedendo
o futuro mentindo
impunemente
o presente apenas
o que já vai deixando de ser

escrevo como quem
vive e não vai viver

não como quem
à visitação pública
em terras de amanhã
se enraíza e flora

eu escrevo não para ficar,
meu amor,

escrevo para ir embora


* do livro "sol sem pálpebras" (imprensa oficial, 2007)

3 comentários:

  1. Saca isso aqui:

    http://www.blogger.com/comment.g?blogID=9146357643684858664&postID=5167224077012299585&isPopup=true

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  2. saquei, ivan. o seu poema é mt bacana.
    mas não estou me masturbando com os dedos da morte, não.

    o suicídio é um baita mistério. às vezes, imagino, até pra quem se mata.
    quanto ao maia, a gente só pode especular: a ferocidade do meio literário russo, os rumos da revolução, a bruxa da lílitchka (a tal canoa do amor...) e seu marido aproveitador, o frio, a tradição autossacrificial dos artistas naquele país, a depressão crônica (que, por definição, é uma tristeza sem razão de ser, sem objeto de luto) etc.

    em relação ao poema "bilhete", postei-o depois de um comentário a respeito do suicídio para provocar. este poema é ambíguo - sua parca riqueza talvez nasça precisamente disso -, mas no fundo ele diz: já que escrevo como quem vive e não vai viver, não vou ficar aqui estufado de sonhadas glórias como um peru recheado. eu vou é embora! não da vida, mas PARA a vida.

    embora sempre haja em nós alguém que anuncia a própria morte, o bilhete é de geladeira, de trânsfuga, não de suicídio. o suicídio é meramente simbólico.
    adoro provocações e mal-entendidos, mas admito que me incomoda um pouco a forma como as pessoas interpretam este poema especificamente. é como se vissem o couro despregado da serpente que quer rejuvenescer (e já nem está ali) e dissessem: "tadinha da cobra!"

    razão tinha ungaretti: "a morte se desconta vivendo".

    razão tem vc, ivan: o ultrarromantismo tem que ser combatido como se combate a peste.
    porém isso não nos exime de falar na morte. se o faço obsessivamente, não é por desejá-la ou idealizá-la (às nossas maneiras atabalhoadas e peculiares, amamos a vida!), e sim por ficar boquiescancarado de perplexidade diante dela.

    abraço, irmão,
    r.m.

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  3. beleza, Rodrigo: ocorreu a tal da sincronicidade, mesmo à minha revelia, pois jamais interpretei esse teu "bilhete" como um resquício suicidesco: minha queixa foi lá contra a romantização do suicídio do Maiakóvski, e foi praticamente por acaso que postei aqui a chamada aos comentários no pó&teias - de qualquer modo, suas observações me fizeram reler com mais atenção o seu "bilhete" -

    abraço, mon frère!

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