quarta-feira, 15 de junho de 2011

james joyce

                 
ECCE PUER
                                
Do passado escuro
Um menino nasce;
Alegre e sofrido
Meu peito desfaz-se.

Tranquilo no berço
O vivo, à vontade;
Seus olhos que os abram
Amor e piedade!

Nova vida o vidro
Respirada embaça;
O que antes nem era
Como veio passa.

Um velho se foi:
Descansa um menino.
Ó pai renegado,
Perdoa teu filho!

trad.: rodrigo madeira


ECCE PUER

Of the dark past
A child is born;
With joy and grief
My heart is torn.

Calm in his cradle
The living lies.
May love and mercy
Unclose his eyes!

Young life is breathed
On the glass;
The world that was not
Comes to pass.

A child is sleeping:
An old man gone.
O, father forsaken,
Forgive your son!

* ecce puer (é um menino!) foi escrito em 1932, ano em que nasceu o neto e morreu o pai de james joyce. 

5 comentários:

  1. esta é pra vc, ivan:

    fiquei com a impressão, embora tenha pesquisado sem achar nada a respeito, de que "young life is breathed/ on the glass" está mais para "jovem vida soprada (ou lançada) sobre o vidro". acabei optando por "respira outra vida" porque achei que este verso dá conta do recado, mantém o verbo do original - respirar, verbo poderoso - e faz boa rima com "despedida". depois fiquei em dúvida. cheguei então a outra possibilidade, mesmo que avacalhe um pouquinho a métrica:

    Sobre frágil vidro
    Jovem vida é soprada;
    O que antes nem era
    Como surge, acaba.

    o que vc acha? qual vc acha que fica mais pã? abraço.

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  2. Grato gratíssimo, Rodrigo --

    Parabéns por esgrimir com toda a catega a redondilha menor. Funcionaram as soluções todas de conteúdos e rimas, inclusive a toante (menino/filho) na estrofe final.

    Quanto à terceira quadrinha, achei que sua primeira opção/possibilidade foi a que ficou
    mais pã.

    Observo que também encasquetei nas minhas leituras/interpretações desse trecho, mas acabei percebendo que "glass" aí pode (e deve) significar especialmente tanto "espelho" quanto "ampulheta", o que enriquece, amplia e torna nítido o significado do poema, como se nessa leitura limpássemos o vidro embaçado pela respiração do garotinho Joyce... ;)

    O fato é que, realmente, "glass" tem essas conotações, conforme esclarece o "tio Michaelis":
    glass
    n 1 vidro. 2 copo. 3 conteúdo de um copo. 4 coisa feita de vidro, vidraça, espelho, vidro de relógio, óculos, binóculo, barômetro, luneta, ampulheta.

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  3. pois é, meu caro. tbm prefiro como está.

    a toante, ah, a toante. juro que pensei em pôr "novilho" em lugar de "menino", mas ia dar um certo ar globo rural ao poema. ia ficar meio risível. e embora eu seja um ridículo, o poema do joyce não é...

    não tinha atentado para as tantas possibilidades de "glass". "vidro" é semanticamente miserável perto de "glass". pensei tbm na expressão "thin ice" (gelo fino, precário, quebradiço) - por isso tasquei "frágil" antes de vidro. minha dúvida é mais com relação à locução "to be breathed" (com "on" depois), que não me parece ser "respirar no vidro". "to be breathed" é voz passiva, não ativa. será que não é algo como "ser soprado - lançado e trazido à vida - sobre o vidro" (tz por um "it" lispectoriano)?

    ivan, não poderei ir às jornadas joyceanas, pra variar. mas tenho certeza de que vai ser ótimo, e recomendo.
    desejo success. e toda merda do mundo! ou melhor, à joyce, todo o sucshitness do mundo!

    abração,
    rodrigo.

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  4. conversei com a lu sobre aquele trecho delicado. e ela, assim que recitei os versos, viu nitidamente o tal "vidro respirado", embaçando-se - imagem do calor fugaz da vida. exatamente como vc, ivan, havia mencionado.

    então lá vai:

    nova vida o vidro
    respirada embaça;
    o que antes nem era
    como veio, passa.

    r.m.

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  5. potz -- esse que é o negócio louco e obsessivo da tradução de poesia: quase sempre sentimos que ainda dá pra melhorar, e quase nunca chegamos à transcriação perfeita --

    e o ECCE PUER é considerado um dos melhores poemas do Joyce, por todos os fatores envolvidos em texto e contexto.

    Vou incorporar essa nova solução no registro lá no blogue porque, além da aproximação semântica mais "de pertinho", me parece que vocês (você e a Lu, que inspirou e respirou também) acertaram num "veio" -

    a ambiguidade de "glass" ressurgiu em "veio" (verbo vir e substantivo de múltipla conotação) - parabéns de novo!

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