ECCE PUER
Do passado escuro
Um menino nasce;
Alegre e sofrido
Meu peito desfaz-se.
Tranquilo no berço
O vivo, à vontade;
Seus olhos que os abram
Amor e piedade!
Nova vida o vidro
Respirada embaça;
O que antes nem era
Como veio passa.
Um velho se foi:
Descansa um menino.
Ó pai renegado,
Perdoa teu filho!
trad.: rodrigo madeira
ECCE PUER
Of the dark past
A child is born;
With joy and grief
My heart is torn.
Calm in his cradle
The living lies.
May love and mercy
Unclose his eyes!
Young life is breathed
On the glass;
The world that was not
Comes to pass.
A child is sleeping:
An old man gone.
O, father forsaken,
Forgive your son!
* ecce puer (é um menino!) foi escrito em 1932, ano em que nasceu o neto e morreu o pai de james joyce.
esta é pra vc, ivan:
ResponderExcluirfiquei com a impressão, embora tenha pesquisado sem achar nada a respeito, de que "young life is breathed/ on the glass" está mais para "jovem vida soprada (ou lançada) sobre o vidro". acabei optando por "respira outra vida" porque achei que este verso dá conta do recado, mantém o verbo do original - respirar, verbo poderoso - e faz boa rima com "despedida". depois fiquei em dúvida. cheguei então a outra possibilidade, mesmo que avacalhe um pouquinho a métrica:
Sobre frágil vidro
Jovem vida é soprada;
O que antes nem era
Como surge, acaba.
o que vc acha? qual vc acha que fica mais pã? abraço.
Grato gratíssimo, Rodrigo --
ResponderExcluirParabéns por esgrimir com toda a catega a redondilha menor. Funcionaram as soluções todas de conteúdos e rimas, inclusive a toante (menino/filho) na estrofe final.
Quanto à terceira quadrinha, achei que sua primeira opção/possibilidade foi a que ficou
mais pã.
Observo que também encasquetei nas minhas leituras/interpretações desse trecho, mas acabei percebendo que "glass" aí pode (e deve) significar especialmente tanto "espelho" quanto "ampulheta", o que enriquece, amplia e torna nítido o significado do poema, como se nessa leitura limpássemos o vidro embaçado pela respiração do garotinho Joyce... ;)
O fato é que, realmente, "glass" tem essas conotações, conforme esclarece o "tio Michaelis":
glass
n 1 vidro. 2 copo. 3 conteúdo de um copo. 4 coisa feita de vidro, vidraça, espelho, vidro de relógio, óculos, binóculo, barômetro, luneta, ampulheta.
pois é, meu caro. tbm prefiro como está.
ResponderExcluira toante, ah, a toante. juro que pensei em pôr "novilho" em lugar de "menino", mas ia dar um certo ar globo rural ao poema. ia ficar meio risível. e embora eu seja um ridículo, o poema do joyce não é...
não tinha atentado para as tantas possibilidades de "glass". "vidro" é semanticamente miserável perto de "glass". pensei tbm na expressão "thin ice" (gelo fino, precário, quebradiço) - por isso tasquei "frágil" antes de vidro. minha dúvida é mais com relação à locução "to be breathed" (com "on" depois), que não me parece ser "respirar no vidro". "to be breathed" é voz passiva, não ativa. será que não é algo como "ser soprado - lançado e trazido à vida - sobre o vidro" (tz por um "it" lispectoriano)?
ivan, não poderei ir às jornadas joyceanas, pra variar. mas tenho certeza de que vai ser ótimo, e recomendo.
desejo success. e toda merda do mundo! ou melhor, à joyce, todo o sucshitness do mundo!
abração,
rodrigo.
conversei com a lu sobre aquele trecho delicado. e ela, assim que recitei os versos, viu nitidamente o tal "vidro respirado", embaçando-se - imagem do calor fugaz da vida. exatamente como vc, ivan, havia mencionado.
ResponderExcluirentão lá vai:
nova vida o vidro
respirada embaça;
o que antes nem era
como veio, passa.
r.m.
potz -- esse que é o negócio louco e obsessivo da tradução de poesia: quase sempre sentimos que ainda dá pra melhorar, e quase nunca chegamos à transcriação perfeita --
ResponderExcluire o ECCE PUER é considerado um dos melhores poemas do Joyce, por todos os fatores envolvidos em texto e contexto.
Vou incorporar essa nova solução no registro lá no blogue porque, além da aproximação semântica mais "de pertinho", me parece que vocês (você e a Lu, que inspirou e respirou também) acertaram num "veio" -
a ambiguidade de "glass" ressurgiu em "veio" (verbo vir e substantivo de múltipla conotação) - parabéns de novo!