quarta-feira, 18 de abril de 2012

3x manuelzão

               
    arte de martha barros
               
                
Não precisei de ler São Paulo, Santo Agostinho,
São Jerônimo, nem Tomás de Aquino, nem São
Francisco de Assis – 
para chegar a Deus.
Formigas me mostraram Ele.

(Eu tenho doutorado em formigas.)

***

Prefiro as linhas tortas, como Deus. Em menino eu sonhava em ter uma perna mais curta (só pra poder andar torto). Eu via o velho farmacêutico de tarde, a subir a ladeira do beco, torto e deserto... toc ploc toc ploc. Ele era um destaque. Se eu tivesse uma perna mais curta, todo mundo haveria de olhar para mim: lá vai o menino todo torto subindo a ladeira do beco toc ploc toc ploc. Eu seria um destaque. A própria sagração do Eu.

***

Remexo com um pedacinho de arame nas
minhas memórias fósseis.
Tem por lá um menino a brincar no terreiro:
entre conchas, ossos de arara, pedaços de pote,
sabugos, asas de caçarolas etc.
E tem um carrinho de bruços no meio do
terreiro.
O menino cangava dois sapos e os botava a
puxar o carrinho.
Faz de conta que ele carregava areia e pedras
no seu caminhão.
O menino também puxava, nos becos de sua
aldeia, por um barbante sujo umas latas tristes.
Era sempre um barbante sujo.
Eram sempre umas latas tristes.
O menino é hoje um douto que trata
com física quântica.
Mas tem nostalgia das latas.
Tem saudades de puxar por um barbante sujo
umas latas tristes.

                         
                          MANUEL DE BARROS

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