terça-feira, 24 de abril de 2012

exercícios de caligrafia

                                              
meus 8 anos
                   
mas se o vento de hoje ainda balança
o balanço enferrujado da infância
                                                                            
                                                                                                                                   
meus 10 anos
       
meu pai tá chegando em casa
judiei do gato, quebrei o armário, comprei fiado
meu pai tá chegando em casa
dormi nos livros, fugi da aula, zerei em matemática
meu pai tá chegando em casa
mijei no vaso, chutei no saco, roubei 10 mil cruzados
meu pai tá chegando em casa
sujei o pátio, menti de novo, bolinei minha prima na escada
meu pai tá chegando em casa
xinguei meu pai, cuspi no assoalho, subi no telhado
meu pai tá chegando em casa

          
meus 11 anos

punhetinha quando bate
esparrama pelo chão
menininho quando dorme
põe a mão no coração
                    
            
meus 11 e 1/5

[pelo buraco da fechadura]

as meninas ingê-
nuas se tocavam

e o rodrigo madeira também.

(elas se riam)
foi o meu primeiro libertinamento

       
meus 12 anos
       
será que Deus, acima dos pastos e pássaros,
assistia ao menino no lavabo?
           
                                                                        
meus 32 anos
 
ainda pego minha inoxidável caloicross e volto pra casa: só pra dar uns cascudos no rodrigo madeira.

*
volto a foz do iguaçu com uma ou duas palavras ingênuas e precisas: pra que o rodrigo, coitado, não fique pra sempre emudecido diante da marcelinha.

*
volto pra roubar aquele vinil  (HELP!), bem melhor que minha coleção de guarânias. foi o primeiro disco que me fez a cabeça. meu irmão, de puxa-sádico, nunca quis que eu ouvisse.
          
já era, mano veio! roubado não é achado!, desafinarei, pedalando alucinado minha bicicletinha. vou ouvir i've just seen your face até virar um besouro.

*
[hontem]

o homem de cócoras lava o rosto, se sacia – errando sozinho pela infância – nas poças de sol que as paineiras filtram.

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