terça-feira, 30 de agosto de 2011

jorge luis borges

                  
     
O TANGO
  
Onde estarão?, pergunta-se a elegia
daqueles que já não são, qual se houvesse
alguma região em que o Ontem pudesse
ser o Hoje, o Mesmo Assim e, mesmo, o Ainda.

Onde estará (repito) a malandragem
que estabeleceu, em poeirentos becos
de terra ou em perdidos lugarejos,
a seita da lâmina e da coragem?

Onde estarão aqueles que passaram,
à epopeia deixando um episódio,
uma fábula ao tempo, e que, sem ódio,
proveito ou paixão de amor, se esfaquearam?

Busco-os em seu mito, na derradeira
brasa que, tal qual uma vaga rosa,
guarda algo dessa escória corajosa
lá dos Corrales e de Balvanera.

Que escuras e estreitas ruas ou que ermo
do mundo após este habitará a dura
sombra daquele que era sombra obscura,
Muraña, o melhor punhal de Palermo?

E esse fatal Iberra (dele os santos
se apiedem) que em uma ponte da estrada,
matou o irmão, o Fuça, que contava
inda mais mortes, igualando os tantos?

Uma mitologia de punhais
anula-se lentamente, esquecida;
uma canção de gesta foi perdida
em sórdidas notícias policiais.

Existe outra brasa, candente rosa
das cinzas que os preserva por inteiro;
aí estão os soberbos cuteleiros
e o peso de uma adaga silenciosa.

Mesmo que a adaga hostil ou a outra adaga,
o tempo, tenha-os perdido entre o ranço,
hoje, para além do tempo e da aziaga
morte, vivem esses mortos no tango.

Em meio à música estão, na cordagem
de uma guitarra em terça, trabalhosa,
que trama na milonga venturosa
a festa e a inocência da coragem.

Gira pelo espaço a roda amarela
de cavalos e leões, posso ouvir o eco
desses tangos de Arolas e de Greco
que testemunhei bailar pela ruela,

num instante que hoje emerge isolado,
sem antes e sem depois, contra o olvido,
e que tem este sabor do perdido,
do que foi perdido e recuperado.

Nos acordes cabem coisas antigas:
um outro pátio, as entrevistas parras.
(Por detrás das paredes apreensivas
o Sul guarda um punhal e uma guitarra.)

Essa rajada, o tango, essa diabrura,
os ocupados anos desafia;
feito de pó mais tempo, o homem perdura
menos que uma ligeira melodia,

que é apenas tempo. O tango inventa um dúbio
pretérito irreal realmente vivido,
absurda lembrança de haver morrido
lutando, em uma esquina do subúrbio.
                      
tradução: rodrigo madeira
                 

4 comentários:

  1. El TANGO*
    (jorge luis borges)

    ¿Dónde estarán?, pregunta la elegía
    de quienes ya no son, como si hubiera
    una región en que el Ayer pudiera
    ser el Hoy, el Aún y el Todavía.

    ¿Dónde estará (repito) el malevaje
    que fundó, en polvorientos callejones
    de tierra o en perdidas poblaciones,
    la secta del cuchillo y del coraje?

    ¿Dónde estarán aquellos que pasaron,
    dejando a la epopeya un episodio,
    una fábula al tiempo, y que sin odio,
    lucro o pasión de amor se acuchillaron?

    Los busco en su leyenda, en la postrera
    brasa que, a modo de una vaga rosa,
    guarda algo de esa chusma valerosa
    de los Corrales y de Balvanera.

    ¿Qué oscuros callejones o qué yermo
    del otro mundo habitará la dura
    sombra de aquel que era una sombra oscura,
    Muraña, ese cuchillo de Palermo?

    ¿Y ese Iberra fatal (de quien los santos
    se apiaden) que en un puente de la vía,
    mató a su hermano el Ñato, que debía
    más muertes que él, y así igualó los tantos?

    Una mitología de puñales
    lentamente se anula en el olvido;
    una canción de gesta se ha perdido
    en sórdidas noticias policiales.

    Hay otra brasa, otra candente rosa
    de la ceniza que los guarda enteros;
    ahí están los soberbios cuchilleros
    y el peso de la daga silenciosa.

    Aunque la daga hostil o esa otra daga,
    el tiempo, los perdieron en el fango,
    hoy, más allá del tiempo y de la aciaga
    muerte, esos muertos viven en el tango.

    En la música están, en el cordaje
    de la terca guitarra trabajosa,
    que trama en la milonga venturosa
    la fiesta y la inocencia del coraje.

    Gira en el hueco la amarilla rueda
    de caballos y leones, y oigo el eco
    de esos tangos de Arolas y de Greco
    que yo he visto bailar en la vereda,

    en un instante que hoy emerge aislado,
    sin antes ni después, contra el olvido,
    y que tiene el sabor de lo perdido,
    de lo perdido y lo recuperado.

    En los acordes hay antiguas cosas:
    el otro patio y la entrevista parra.
    (Detrás de las paredes recelosas
    el Sur guarda un puñal y una guitarra.)

    Esa ráfaga, el tango, esa diablura,
    los atareados años desafía;
    hecho de polvo y tiempo, el hombre dura
    menos que la liviana melodía,

    que sólo es tiempo. El tango crea un turbio
    pasado irreal que de algún modo es cierto,
    un recuerdo imposible de haber muerto
    peleando, en una esquina del suburbio.


    * Borges, J. L. (1964). El Otro, El Mismo. Emecé Editores

    ResponderExcluir
  2. Complemento perfeito à incrível noitada porteña de ontem no Wonka - quando for re-editada (e terá que ser, porque foi uma dos melhores noites da história do bar) esta tradução não poderá faltar (e não valerá mais fazer o truque do sumiço antes do finale, Rodrigo!)

    ResponderExcluir
  3. a noitada foi ótima mesmo, ivan. piazzolla, benedetti, borges, cortázar...
    a dupla musical era espetacular, vc foi um ótimo MC substituto e o jaruga fez uma das récitas mais precisas e intensas que já vi na vida...

    pois é, saí à francesa na noite portenha. prometo que da próxima vez fico até os "soberbios cuchilleros" se estranharem.
    abçs.

    ResponderExcluir
  4. ficou boa, mesmo.
    dá até gosto de ler.

    abç.

    rods.

    ResponderExcluir