terça-feira, 30 de outubro de 2012

rainer maria rilke/ trad. josé paulo paes

              
PABLO PICASSO, Os saltimbancos (1905)


QUINTA ELEGIA
               
 
Mas quem são eles, diz-me, estes errantes, algo
mais fugazes que nós, estes a quem desde cedo
uma vontade nunca satisfeita torce com premência:
para quem, por amor de quem? Ela os torce todavia
e os curva, ata e faz balançar,
ela os atira e apanha de volta; como que de um ar
untado, mais liso, eles caem
no ralo tapete desgastado pelos seus
sempiternos pulos, esse tapete
perdido no universo. 

(...)


Oh vós

que uma dor, pequena ainda
outrora acolheu como brinquedo numa das suas
longas convalescenças...

Tu, que numa queda

como a que só as frutas conhecem, cem vezes ao dia
tombas ainda verde da árvore do movimento
erigida em conjunto (e que, mais veloz que água, em 
poucos minutos conhece primavera, estio e outono) 
te desprendes e te chocas contra o túmulo:
às vezes, numa semipausa, quer formar-se em ti
um semblante amoroso e voltar-se para a rara
meiguice de tua mãe; perde-se todavia no teu corpo,
cuja superfície o consome, esse rosto timidamente
esboçado... E de novo
o homem bate as mãos, chamando ao salto, mas já antes
que chegue a precisar-se uma dor nas cercanias 
do teu sempre saltitante coração, o ardume na planta dos pés
lhe antecede a origem, e algumas
lágrimas corporais afloram em teus olhos.
No entanto, às cegas, eis
o sorriso...

(...)
           
* Das Elegias Duinenses. A Quinta Elegia foi diretamente inspirada pela tela Os Saltimbancos, de Pablo Picasso.

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