*
(A felicidade,
cria de nossa tristeza,
ficará como deve:
no ombro do idiota,
leve, trama de palha
em lugar das vísceras,
um pássaro verde:
desajeitadamente alegres
entre pernas e perdas)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011
aulas de solidão (11)
Allegria di naufragi: o título é irônico. O tempo é perseguido em seu perpétuo naufrágio renovado. E neste perpétuo naufrágio, há um momento, o momento em que a poesia chega a expressar-se, que é um momento de alegria.
GIUSEPPE UNGARETTI
sábado, 19 de novembro de 2011
aulas de solidão (10)
A poesia não salva. E quem diabos quer ser salvo? Este sol de artifício me ilumina por um dia.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
aulas de solidão (9)
O risco da víbora entre os dedos para extrair-lhe o soro antiofídico. O risco.
A dor de inocular, nas éguas do sangue, o veneno do verbo, um certo tremor. A dor.
A alegria de quem salva - quando salva... e apenas a si mesmo - com belezas fugidias. A alegria.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
radiohead/regina spektor
SEM SURPRESAS
Um coração transbordante como
Um aterro sanitário
Um emprego que aos poucos te mata
Contusões que não saram
Você parece tão infeliz, cansado
Abaixo o governo
Eles não, eles não falam em nosso nome
Vou levar uma vida de franciscano
Um aperto de mão do monóxido de carbono
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Silencioso, silencioso
Este é meu último surto
Minha última dor de barriga
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor
Que casa mais bonita
Que bonito jardim
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos
Sem surpresas e sobressaltos, por favor
treason: rodrigo madeira
NO SURPRISES
(radiohead)
A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent
This is my final fit
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent
This is my final fit
My final bellyache with
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please
Such a pretty house
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please
Such a pretty house
Such a pretty garden
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises, please
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
notícia de bogotá
alejandro obregón (estudo para violência)
ELE
Ele ganhou todas as batalhas.
Sua peleja foi corpo a corpo
com armaduras e sem elas.
Se armou com flechas
pôde criar espadas
fez alianças com o veneno
conseguiu esculpir o fogo
despiu a alma dos químicos
soube afiar as palavras
e brandir os livros.
Ele morreu tantas vezes
e foi vencedor muitas mais,
lutou tanto e chega tão cansado.
Ele ganhou todas as batalhas
menos uma,
menos uma com cara de mulher.
LUZ HELENA CORDERO
tradução: rodrigo madeira
ÉL
Él ganó todas las batallas.
Su pelea fue cuerpo a cuerpo
con armaduras y sin ellas.
Se armó con flechas
pudo crear espadas
hizo alianzas con el veneno
logró esculpir el fuego
desnudó el alma de los químicos
supo afilar las palabras
y blandir los libros.
Él murió tantas vezes
y fue vencedor muchas más,
peleó tanto y viene tan cansado.
Él ganó todas las batallas
menos una,
menos una con cara de mujer.
aulas de solidão (8)
Parafraseando Alejandra Pizarnik, posso dizer que, "entre outras coisas, escrevo para que aquilo que temo não aconteça", mas também escrevo para que o que acontece não me destrua.
LUZ HELENA CORDERO
(Bucaramanga, 1961 - )
domingo, 6 de novembro de 2011
notícia de cartagena II
EULÁLIA
Sou a Eulália mas me chamavam Rosa a bruxa,
Fazia magia,
Ajudava a conquistar com uma vela rosa
E a recuperar o amor com o feitiço da madeira
Ou com a bruxaria da lua,
Aumentava a paixão com o segredo marinho das
conchas
Que misturava no caldeirão de minhas feitiçarias,
Prevenia a saudade
Com pérolas de éter e pó de estrela
E usava o alho macho contra os espíritos maus e
contra a
Infidelidade;
Utilizava a loção de fruta verde para o dinheiro,
A amarela para o ouro
E a transparente para o sexo;
Livrava da má sorte
Com rosas fervidas e carbono de lenha vermelha
Misturando tudo com água pura de lírios.
Em meu consultório de lua elevava os ânimos,
Afastava as dúvidas e as trapaças,
Adivinhava o futuro, o presente e o passado
E deixava as pessoas felizes com meus bons presságios,
Com meu gato ruim chamado Sam
Passeávamos todas as noites na moto vermelha de
minha risada
Jogando frascos contra as paredes
Para assustar os insones e fazer propaganda de meu
negócio.
Desde que me disseram que as bruxas não existem,
Vendo bíblias.
FEDERICO CÓNDOR
(do livro Feitos para uma vida anormal)
tradução: rodrigo madeira e lu cañete
EULALIA
Soy Eulalia pero me llamaban Rosa la bruja,
Hacía magia,
Ayudaba a conquistar con una vela rosa
Y a recuperar el amor con el hechizo de la madera
O con el embrujo de la luna,
Aumentaba la pasión con los secretos marinos de los
caracoles
Que batía en la marmita de mis embrujos,
Evitaba la nostalgia
Con perlas de éter y polvo de estrella
Y usaba el ajo macho contra los malos espíritos y
contra la
Infidelidad;
Utilizaba la loción de fruta verde para el dinero,
La amarilla para el oro
Y la transparente para el sexo;
Hacía limpias contra la mala suerte
Con rosas hervidas y carbón de leña roja
Mezclándolo todo con agua pura de lirios.
En mi consultorio de luna levantaba los ánimos,
Alejaba las dudas y las malas patrañas,
Adivinaba el futuro, persente y pasado
Y hacía feliz a la gente con mis buenos presagios,
Con mi gato malo que se llamaba Sam
Paseábamos todas las noches en la moto colorada de
mi risa
Tirando tarros contra las paredes
Para asustar a los desvelados y hacerle propaganda al
negocio.
Desde que me dijeron que las brujas no existen,
Vendo biblias.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
notícia de cartagena de indias

LEPROSO
Todos temos algo de leproso,
Desprende-se a pele de nossas lembranças,
Perdemos a cabeça ou a flor das desculpas,
A dor da ausência nos desfolha,
Morremos de vergonha.
Esquecemos, sei que todos esquecemos,
Que nossa história fica truncada,
Que deixamos os sonhos e as saudades
Grudadas à gaze dos dias.
Todos vamos nos desintegrando,
Deixamos nos lençóis ou na roupa alheia
Uma carícia, uma lágrima,
Um poema, uma canção,
As palavras de amor, as mentiras,
E quando as bocas se unem
Deixamos o mel do abraço
Espalhado no pão de outra língua.
Todos temos algo de leproso,
Mas não nos dão moedas
Nem nos enviam a um lugar comum para nos fazermos
companhia;
Não causamos pena,
Explodimos de alegria
Ou nos contorcemos de dor,
Nossas chagas não são iguais,
O que as cura é o algodão da lua.
FEDERICO CÓNDOR (Bogotá, 1959 - )
tradução: rodrigo madeira e lu cañete
LEPROSO
Todos tenemos algo de leproso,
Se nos desgaja la piel de los recuerdos,
Perdemos la cabeza o la flor de las disculpas,
El dolor de la ausencia nos deshoja,
Se nos cae la cara de vergüenza.
Olvidamos, sé que todos olvidamos,
Que nuestra historia se queda trunca,
Que dejamos los sueños y las nostalgias
Pegados a la gasa de los días.
Todos nos vamos desintegrando,
Dejamos en las sábanas o en la ropa ajena
Una caricia, una lágrima,
Un poema, una canción,
Las palabras de amor, las mentiras,
Y cuando las bocas se unen
Dejamos la miel del abrazo
Esparcida en el pan de otra lengua.
Todos tenemos algo de leproso,
Pero a nosotros no nos dan monedas
Ni nos destinan a un lugar común para hacernos
compañía;
No damos lástima,
Estallamos de alegría
O nos desgarramos de dolor,
Nuestras llagas no son iguales,
Nos las cura el algodón de la luna.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
aulas de solidão (7)
A poesia é a virtude do inútil.
RABELAIS (ou melhor, MANUEL DE BARROS mentindo)
domingo, 30 de outubro de 2011
debaixo do sol
escolhe, pois, a vida
deuteronômio 40,19
Como condensar esta luz e jogá-la sobre a pele da página? Como transplantar mil árvores e fazer um bosque num deserto de sal? Como porejar este orvalho que a grama suou na febre verde da madrugada? E como, nas entranhas que partilhamos eu e o domingo, vestir com meu corpo nu a mulher deitada na memória? Como? Como filtrar este azul boquiaberto e banguela e derramá-lo na retina de um cego? E as línguas da luz falando calor e carícia? E o perfume quase venenoso da pitangueira? Como traduzir um cão dormindo? Como reivindicar a autoria da aurora? Como reduzir o horizonte irredutível e com a esferográfica recriar a máquina atordoada de um inseto? Como concorrer todas as palavras para o acidente fabuloso de uma manhã (que amanhã reinventa)? Como me traduzir, contemplativo, agudamente sólido mas dissolvido, esta aventura diária, epopeia de uma página? Como?
Não dá, simplesmente. Talvez fosse melhor que soubesses: amassa esta folha, depõe a caneta e vive.
Não podemos traduzir o dia, a vida. O dia é intraduzível. A vida é intraduzível. Mas a poesia tem o tamanho da vida.
Deixa ao menos que o poema te devolva ao mundo, com teus cinco sentidos e as mãos enormes.
(pássaro ruim, 2009)
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
fauno
pablo picasso (cabeça de fauno)
Há um nódulo na quinta-feira. Dizer adeus faz caírem meus cabelos. A verdade é uma lâmpada falha num quarto cheio de moscas, mas a esperança, sobre as águas da febre, tem a pertinácia da cortiça. O tédio é a pior forma de tristeza.
Eis que algo no sol fratura o que somos sob o sol. O dia mija luz nas coisas e fere e fede e ilumina um jardim de absurdos: borboletas com caules, gerânios asmáticos, orquídeas menstruadas, margaridas que suam, lírios que sangram, girassóis cujas corolas são ânus. O sol brilha também sob minha pele.
O ronco dos carros é quase uma fuga de bach. Beatífico, anuncia a metástase de um silêncio. Quando o pôr-do-sol vazar feito um vagaroso sangramento de nariz, haverá um segundo para nos olharmos, e no aço dos ossos florescerão pátinas e tétano, e na medula correrá a seiva elétrica das plantas que não existem.
Com um estetoscópio de marfim, ausculto a parada cardíaca das pedras. Meço a pressão arterial e a solidão da chuva.
Entardeceu. Deito-me sobre as pastagens tauríferas, verde como o escolar de van gogh. Deixo o vento definir meu nome. Se me levanto, é meio-dia: há uma praia caminhada de ninfas que tatuam o sol sobre a pele. (Elas sorriem como o mar, puxando, puxando...)
À noite, quando se morre mais de uma vez, a alma (esta ficção) faz guarida como um abajur no escuro. Todas as chaves perderam seus dentes, e não importa. Significar algo é brutal como empalhar uma criança.
Estou alegre como quem anda descalço. Estou alegre como quem sobe o telhado. Ouço o sermão das nuvens. Ou me sento à mesa, corto um pedaço do peixe e já não digo nada, a boca cheia de silêncios: quais frutos velhos, as palavras estão abertas sobre a terra. Jogo longe minha flauta. Maré, por exemplo, cognoscível apenas pelo cheiro. As árvores, por meio do voo das aves, conversam entre si na distância imensa.
Respirar é minha única religião.
Respirar é minha única religião.
(pássaro ruim, 2009)
terça-feira, 25 de outubro de 2011
o poeta
escrevo para tornar-me eterno
ao mesmo tempo em que me entrego à morte
eu, aos 15-16 anos
é outono – sem lamento – na cabeça do poeta.
folhas caem esturricadas de geada.
o caderno de estudante não me avexa mais.
vou jogá-lo fora mesmo assim. já é tempo de novo.
engraçado quando acentuava
compulsivamente
o pronome tu.
talvez que uma faca em você,
flecha atravessado no assombro de viver. sei lá.
aprendi outros nomes e jeitos de enunciar,
novas oitavas:
imensidade
densidão
arrebóis.
densifloro,
soube com os girassóis:
não há beleza alguma
em estar morto.
a glória não passa de uma fotografia
ou de um poema
(sol sem pálpebras, 2007)
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
poética
1
o poema é filho
de um só pai.
a liberdade também
desfralda asas
em acidez de solidão.
o poema é parto
que desse à luz um mistério:
qual bela criança, retorta!
e pouco importa
se menino jesus
que bebê de rosemary.
2
o poema ergue-se
para baixo.
não escavado como um fojo de feras.
desce como um rio que encorpa,
adianta-se ao sumidouro.
o poema ergue-se
para baixo,
até a réstia sob a porta,
tudo que é vista ofuscada.
chega à grafia do ponto,
à pedra do caminho:
o olho que fecha,
o olho que abre,
o pináculo,
a bola de haxixe
como fibrose, cabeça de alfinete
ou marimbondo.
continua, se quiser,
para viver o desmaio
daquele pássaro.
3
e assim, nas pontas dos bisturis,
vou cosendo sentidos,
lavrando traumatismos.
pontuo como bem quero,
espulgo o teor preciso -
pronúncia a pronúncia, brusquidão
a brusquidão.
(e pra quê?)
antes de abandonar o poema,
tamarindo espremido,
casca de cigarra,
sequer percebo o que calo
quem vai dizendo.
tudo quanto tranço, a percutir
as vigas aos restos
são apenas fios do que somos,
que sou também
da autoria de meus versos.
4
primeiro cuspo.
a destilação vem depois,
transmudando em sangue.
eu e o que sou sem me conhecer
compartilhamos agulhas
numa transfusão de sonho.
(sou da autoria de meus versos.)
5
poesia é tanger o violino
com um estilete.
6
há quem tenha buscado
a pedra de toque,
o verbo atrás do verbo,
o silêncio dentro do silêncio,
o caroço da língua.
houve quem tenha inventado
o lírio
e da espinha do peixe
forjado uma canoa
e erguido raízes (como patamares)
às lindes do firmamento.
houve quem macerava
a fruta
por que pingasse o último mel.
me admira como ficou
o gosto da sede
e como
nem mesmo a eternidade
foi suficiente.
7
não desconfieis dos poetas!
são barcas sobre os telhados.
sua loucura é o dia-a-dia
do trabalhador.
* primeiro poema do primeiro livro (sol sem pálpebras, 2007)
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
aulas de solidão (6)
A poesia é um membro improdutivo da sociedade.
o poeta trabalha
(fotomontagem de jorge de lima,
pintura em pânico, 1943)
Não é possível contratar a poesia. Não é possível jogá-la no departamento de marketing, na agência de publicidade, no almoxarifado. Nem relegá-la ao escritório contábil
e dela esperar um memorando e 10 páginas de relatório até às 4h da tarde. A poesia não recebe seguro-desemprego
gratificações
promoções
admoestações
cursos de treinamento qualificação reciclagem
realocações
reclamações
chamados a reuniões
esporros de chefe décimo-
terceiro salário.
A poesia não tem nem pra passagem. A poesia, graças a deus, está desempregada.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
dylan thomas (II)
EM MEU OFÍCIO OU SOMBRIA ARTE
Em meu ofício ou sombria arte
Exercida na noite estanque
Quando só a lua se enraivece
E os amantes jazem num colchão
Com suas dores todas entre os braços
Trabalho à luz cantante
Não pela cobiça ou pelo pão,
Cabotino comércio de encantos
Sobre palcos de marfim,
Mas pelo salário mínimo, isso sim,
De seu mais secreto coração.
Não para o soberbo na solidão
Da lua furiosa escrevo
Nestas páginas espargidas
Nem para os mortos conspícuos
Com seus salmos e rouxinóis
Mas para os amantes, o abraçar-se
Aos pesares de tempos idos,
Que não me dão salário ou elogios
Nem estimam meu ofício ou arte.
tradução: rodrigo madeira
IN MY CRAFT OR SULLEN ART
In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labor by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.
Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.
IN MY CRAFT OR SULLEN ART
In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labor by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.
Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
ivan justen santana
PÓS-DESCONSTRUÇÃO ARCAICA
Sentindo um cheiro pestilento, lento,
Levanto do meu leito estreito, eito,
No tique a que vivo sujeito, jeito
De santo que um dia arrebento, bento –
Notando o quanto me delata, lata,
Aquela sensação tamanha, manha,
A imagem da grande barganha, ganha,
É o nó que na garganta engata, gata –
E o surto a me levar consigo, sigo,
Em ânsia por amor e abrigo, brigo,
Tocando um som que, mesmo surdo, urdo –
Pois graças ao meu velho e cego ego
Entorto verso e rima e blogo, logo,
O nada que me dá, contudo, tudo.
IVAN JUSTEN
sábado, 15 de outubro de 2011
leo maslíah (biromes y servilletas)
CANETAS E GUARDANAPOS
Em Montevidéu há poetas poetas poetas
Que sem bumbos nem trombetas trombetas trombetas
Vão saindo de porões e casamatas e matas e matas
De paredes de silêncios de semibreves pontuadas
Saem de buracos mal tapados tapados tapados
E projetos inalcançados cansados cansados
Que regressam em fantasmas multicores em cores em cores
A pintar-te as olheiras e pedir-te que não chores
Têm ilusões compartidas partidas partidas
Pesadelos preferidos feridos feridos
Novelos de palavras confundidas fundidas fundidas
Ao seu triste passo lento pelas ruas e avenidas
Não almejam glórias nem lauréis lauréis lauréis
Se contentam com papéis papéis papéis
Experiências totalmente impessoais pessoais pessoais
Elementos muito parciais que reunidos não são tais
Falam da aurora até cansar cansar cansar
Sem ter medo de plagiar plagiar plagiar
Desde que escrevam escrevam escrevam, nada disso importa
Sua mania sua loucura sua obsessão neurótica
Andam pelas ruas os poetas poetas poetas
Como se fossem cometas cometas cometas
Num espesso céu de metal fundido fundido fundido
Impenetrável desastroso lamentável e aborrecido
Em Montevidéu há canetas canetas canetas
Esvaindo-se em letras e letras e letras
De palavras retorcendo-se confusas confusas confusas
Em estreitos guardanapos como alcóolicas reclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
O que veem vão dizendo e sendo e sendo
Esses poetas que caminham caminham caminham
Vão contando o que veem, e o que não veem, eles criam
Miram o céu esses poetas poetas poetas
Como se eles fossem flechas flechas flechas
Lançadas ao espaço e um vento ao léu ao léu ao léu
As fizesse regressar, cravando-as em Montevidéu
Experiências totalmente impessoais pessoais pessoais
Elementos muito parciais que reunidos não são tais
Falam da aurora até cansar cansar cansar
Sem ter medo de plagiar plagiar plagiar
Desde que escrevam escrevam escrevam, nada disso importa
Sua mania sua loucura sua obsessão neurótica
Andam pelas ruas os poetas poetas poetas
Como se fossem cometas cometas cometas
Num espesso céu de metal fundido fundido fundido
Impenetrável desastroso lamentável e aborrecido
Em Montevidéu há canetas canetas canetas
Esvaindo-se em letras e letras e letras
De palavras retorcendo-se confusas confusas confusas
Em estreitos guardanapos como alcóolicas reclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
O que veem vão dizendo e sendo e sendo
Esses poetas que caminham caminham caminham
Vão contando o que veem, e o que não veem, eles criam
Miram o céu esses poetas poetas poetas
Como se eles fossem flechas flechas flechas
Lançadas ao espaço e um vento ao léu ao léu ao léu
As fizesse regressar, cravando-as em Montevidéu
tradução: lu cañete e rodrigo madeira
***
há uma belíssima recriação em português, letra de CARLOS SANDRONI.
se perde em ironia, a canção ganha em beleza e força dramática.
milton nascimento :
clara sandroni :
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
SentiDo q se sente no nervo do olho no ninho
dos cabelos nos ossos dos dedos na
pele aberta sob a pele intacta,
só depois fui ler
só depois fui ler
a BULA do remédio
vencido:
vencido:
para a contradição
não há contraindicação
POSOLOGIA:
linguagem e
vida
POSOLOGIA:
linguagem e
vida
CUIDADOS:
em caso de loucura,
enlouqueça
ADMINISTRAÇÃO DO USO:
não há disciplina; apenas
febre,
algo cardioerrático,
de varar noites
de varar noites
CUIDADOS 2:
não vir a ser um passatempo
(contratempo)
nem jamais um anticorpo
(corpo)
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
paulo henriques britto
CREPUSCULAR
2.
Chegamos tarde, é claro. Como todos.
Chegamos tarde, e nosso tempo é pouco,
o tempo exato de dizer: é tarde.
Todas as sílabas imagináveis
soaram. Nada ficou por cantar,
nem mesmo o não-ter-mais-o-que-cantar,
o não-poder-cantar, já tão cantado
que se estiolou no infinito banal
de espelhos frente a frente a refletir-se,
restando da palavra só o resumo
da pálida intenção, indisfarçada,
de não dizer, dizendo, coisa alguma.
5.
Toda palavra já foi dita. Isso é
sabido. E há que ser dita outra vez.
E outra. E cada vez é outra. E a mesma.
Nenhum de nós vai reinventar a roda.
E no entanto cada um a re-
inventa, para si. E roda. E canta.
Chegamos muito tarde, e não provamos
o doce absinto e ópio dos começos.
E no entanto, chegada a nossa vez,
recomeçamos. Palavras tardias,
mas com vertiginosa lucidez –
o ácido saber de nossos dias.
6.
No fim de tudo, restam as palavras.
Na solidão do corpo, no saber-se
apenas pasto para o esquecimento,
há sempre a semente de alguma ilíada
mínima, promessa de permanência
no mármore etéreo de uma sílaba,
mesmo sendo mero sopro, captado
na frágil arquitetura do papel,
alvenaria de ar. Restará
a palavra que deixarmos no fim da
nossa história. Que a julguem os outros,
que chegarão depois. Mais tarde ainda.
* três das seis partes do poema CREPUSCULAR (BRITTO, paulo henriques. tarde. são paulo: companhia das letras, 2007).
aulas de solidão (5)
Que importa o tormento? Que importa a chuva, o medo, a morte, a indiferença? Que importam os poetas e os poemas? E sua dor, sua alegria, sua vaidade, sua indigência?
Que importa a elegância patética, o coração na lapela? E as palavras que nos vertiginam e rasam abismos como pássaros do avesso, calcificados na letra?
(O cálcio nos dentes de aves com dentes.)
A poesia continua sendo – no meio-dia da madrugada, por exemplo – o sorriso da linguagem, rútila de dentes.
A linguagem que sorriu sorrirá outras vezes. Porque a Graça é infinita.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
chão de fábrica mão de fabbro
desista.
um soneto nunca
soará como beethoven.
mas você pode arriscar
outra música: o osso no osso
– até um soneto, se infestado
de insetos, talvez soe.
não desista.
faça com claves fortes
em sucintas lições de gritar só
com os olhos
e o peso das coisas.
faça
com as mãos nuas.
porrada pedagógica,
fala arrancada ao que é mudo e mundo,
música
reduzida à ineludível
matéria
de caco corpo
tijolo
***
CLÁUSULA CONTRATUAL:
faça.
não lhe dará um teto contra
chuvas e indiferença.
faça.
não lhe ofertará boa mesa
boas maneiras, boa cama.
faça.
não lhe devolverá a inocência
nem a infância.
faça.
não o remirá de sua própria
ignorância.
faça.
não lhe dará milhagens, milharais e coisas
prestigiosas ou plásticas.
faça.
pouco importa se você fizer ou não.
faça.
***
CLÁUSULA CONTRATUAL:
faça.
não lhe dará um teto contra
chuvas e indiferença.
faça.
não lhe ofertará boa mesa
boas maneiras, boa cama.
faça.
não lhe devolverá a inocência
nem a infância.
faça.
não o remirá de sua própria
ignorância.
faça.
não lhe dará milhagens, milharais e coisas
prestigiosas ou plásticas.
faça.
pouco importa se você fizer ou não.
faça.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
receita de bomba caseira
motivos que se excluem
(mesmo um único
ingrediente:
esquizo
frê
mito)
basta deixá-los se amando
na folha, como briga
ou lar(galos aurorescentes
ao mesmo tempo
sobre o giz da rinha).
deixa-os
se fundirem no ataque
e olha.
não desperdices teus olhos
2.
não há de durar muito.
a coisa toda (de opostos)
explode
no ar no teu rosto:
pássaro
(sempre em suma
antes que suma
da vista
o arame das palavras
e a harmonia)
estrepitosamente aberto
na altura do peito, feito
um jornal de impossíveis.
domingo, 2 de outubro de 2011
william carlos williams (II)
A ROSA
A rosa é obsoleta
mas cada pétala finda em
um fio de lâmina, a dupla faceta
cimentando as ranhuradas
colunas de ar – O fio
corta sem cortar
chega a – nada – renova-
se em metal ou porcelana –
para onde? Finda –
Mas se finda
o início é começado
de tal modo que envolver-se com rosas
torna-se uma geometria –
Mais afiada, limpa, cortante
representada na faiança -
o prato quebrado
esmaltado com uma rosa
Em algum lugar o bom-senso
faz rosas de cobre
rosas de aço –
A rosa trazia o peso do amor
mas o amor está no fim – das rosas
É na lâmina da
pétala que o amor espera
Crespa, trabalhada para derrotar
o trabalho – frágil
arrancada, úmida, semierguida
fria, precisa, tocante
tradução: rodrigo madeira
THE ROSE
The rose is obsolete
but each petal ends in
an edge, the double facet
cementing the grooved
columns of air – The edge
cuts without cutting
meets – nothing – renews
itself in metal or porcelain –
whither? It ends –
But if it ends
the start is begun
so that to engage roses
becomes a geometry –
Sharper, neater, more cutting
figured in majolica –
the broken plate
glazed with a rose
Somewhere the sense
makes copper roses
steel roses –
The rose carried weight of love
but love is at an end – of roses
It is at the edge of the
petal that love waits
Crisp, worked to defeat
laboredness – fragile
plucked, moist, half-raised
cold, precise, touching
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